Liberdade para Battisti, não à extradição

A prisão do escritor italiano Cesare Battisti pela Polícia Federal, neste domingo, na Praia de Copacabana, não é um episódio policial, ou de justiça, brasileiro ou italiano. Nem muito menos um lance da luta antiterrorismo, como a imprensa local deu a entender. É uma jogada eleitoral de Nicolas Sarkozy, o candidato da direita na eleição presidencial de 22 de abril na França. Na mídia francesa ninguém faz segredo disso. Só na brasileira prospera a versão do ''ex-terrorista''.



A Itália em 1993 condenou Battisti à prisão perpétua – uma pena que só existiu no Brasil durante a ditadura militar. E condenou-o à revelia (sem sua presença no julgamento) – procedimento não aceito pela jurisprudência da Corte Européia dos Direitos do Homem. O motivo da condenação foram quatro homicídios, ''com agravantes'', cometidos três décadas atrás, quando o réu tinha 24 anos.



Asilado na França, ele se tornou romancista, com 13 livros publicados. No último deles, uma autobiografia, voltou a desmentir que tenha matado alguém, ou mesmo atirado em alguém. Um amplo movimento, da intelectualidade e da opinião pública progressistas, na França e na Itália, está convencido de que diz a verdade.



Apesar disso, em 2004, no governo de direita de Jean-Pierre Raffarin, a França decidiu quebrar sua longa tradição de asilo político e entregar Battisti à prisão perpétua na Itália. Perseguido, o escritor voltou à clandestinidade, até cair na arapuca armada ontem na Avenida Atlântica pela polícia francesa, subordinada ao ministro do Interior, que por coincidência é o também candidato Sarkozy.



O presidenciável da direita (que na França tem a sinceridade de assumir-se enquanto tal) acredita que pescará votos da ultra-direita em abril, caso crie, no momento cuidadosamente calculado, um rumoroso caso policial envolvendo um ''terrorista italiano''. Quem o acusa de instrumentalizar o ''affaire'' é o editorial de hoje do jornal Le Monde.



O fato de Battisti ter sido preso no Brasil acarreta responsabilidades, para a opinião pública e para as autoridades brasileiras. Em um episódio similar, envolvendo o ex-padre Olivério Medina, das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a sociedade civil deflagrou uma campanha de solidariedade, Olivério não foi entregue ao sanguinolento regime colombiano e reconquistou o direito de asilo. Agora é a hora de repetir a dose, com a mesma determinação e com maior urgência, para ajudar a desmontar a jogada eleitoral de Sarkozy. O Brasil se engrandecerá ao dar acolhida a um perseguido dos ''anos de chumbo'' italianos, justo quando Sarkozy & Cia espezinham essa tradição humanitária no país que sempre foi a pátria do asilo político.