G-20 no lugar do G-8?

O estado burguês não é nem neoliberal, nem intervencionista (ou keynesiano, como se diz). Ele é capitalista e ponto. Esta verdade foi mais uma vez reafirmada na reunião do G-20, ocorrida em Washington, neste final de semana, depois da etapa preparatória ocorrida em São Paulo, na semana passada.


 


A indicação mais forte deste fato é o mantra que vinha crescendo com a crise e, em Washington, assumiu cores oficiais: sai a desregulamentação e a ampla liberdade para o capital (e para as instituições financeiras), entra a regulamentação e a exigência de transparência nos negócios. Mais que isso, o velho receituário de cortes nos gastos dos governos e aumentos dos impostos passa a ser visto como ultrapassado, e agora a recomendação feita não só por aquelas autoridades mas, principalmente, pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e outras instituições financeiras globais, é contrária: querem o aumento nos gastos públicos e o corte nos impostos.


 


Este clamor pela intervenção dos governos, que até agora era a heresia das heresias, tem um objetivo: usar o poder do Estado (econômico, particularmente) para livrar o sistema capitalista da grave crise financeira, que parece incontrolável e vai se espalhando pelo mundo. A crise fez o sistema econômico mundial mover-ser como placas tectônicas, disse o chanceler brasileiro Celso Amorim, que sai da reunião com um indisfarçável sabor de vitória das teses brasileiras. Aparentemente o mundo moveu-se, pode-se concordar com o chanceler.


 


Além da volta da regulamentação dos mercados, que foi consenso na reunião de Washington, a crise parece ter imposto o início de uma reorganização das relações de poder no mundo. O G-20 (formado pela junção entre os países ricos do G-8, União Européia e os chamados emergentes, como Brasil, Índia ou China) parece que vai ocupando o lugar do G-8 como instância decisória internacional, o que – se de fato ocorrer – não deixa de ser um grande progresso


 


A queda na economia, que na Europa já caracteriza uma recessão, e está no terceiro trimestre nos EUA, ainda não tem um fim à vista; ao contrário, tudo indica que vai se agravar. Nos chamados emergentes, como Brasil, China e Índia, os sinais de agravamento da crise são claros, levando a medidas governamentais para reaquecer a economia e garantir o crescimento.


 


É neste contexto que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vê com otimismo a mudança que acompanha o movimento sísmico na economia. ''Não se trata mais do G7 [países mais ricos], que terá funções mais locais, mas do G20 na testa das decisões globais'', disse ele. Otimismo partilhado por Celso Amorim, que vê condições para a retomada das difíceis negociações comerciais que, até agora, não tem dado em nada. ''A responsabilidade de quem é ambicioso demais ou inflexível demais é muito grande'', disse, concordando Amorim com Mantega a respeito da nova importância assumida pelo G-20 que, garante, ''já tomou o lugar do G8 no FMI e no Banco Mundial.''


 


Esse otimismo tem base real. Mas cautela e caldo de galinha, como diz o povo, nunca são excessivos. Parte das novas medidas, acertadas em Washington, tem prazo até março para serem efetivadas, principalmente aquelas que dizem respéito à regulamentação do sistema financeiro. Outras ficaram para um futuro ainda mais distante – e, até lá, muita água vai passar debaixo das pontes dos rios Tietê (São Paulo), Potomac (Washington), Sena (Paris), e outros que cortam as capitais do mundo.