Fundo Partidário: cai a máscara dos grandes partidos

Caiu a máscara: o projeto de lei dos quatro maiores partidos na Câmara dos Deputados – PMDB, PT, PSDB e PFL – para mudar os critérios de distribuição dos recursos do Fundo Partidário ilustra aquilo que se suspeitava ser o motivo verdadeiro da defesa da cláusula de barreira, derrubada pela unanimidade dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal: garantir para os grandes partidos os recursos do Fundo Partidário.


 



Os grandes partidos reagiram à redivisão mais igualitária dos recursos anunciada pelo TSE em 6 de fevereiro, quando decidiu mandar dividir 42% do valor (que em 2007 será de 126 milhões de reais) entre todos os 29 partidos registrados no tribunal eleitoral, e os demais 58% entre os partidos com representação parlamentar ou que participaram da eleição.


 



O TSE corrige o critério que garantia uma montanha de dinheiro aos grandes partidos, dava alguns recursos para os médios e deixava sem nada os pequenos. Pelo critério anterior, vigente até 2006, o favorecimento aos  grandes era escandaloso. Uma consulta aos valores distribuídos em dez anos (entre 1997 e outubro de 2006), na página eletrônica do TSE, revela que naquele período o Fundo Partidário distribuiu 813,9 milhões de reais. Os grandes (PMDB, PT, PSDB e PFL) ficaram com 68% daquele valor, ou 553,5 milhões de reais. O PT foi o que mais ganhou, com 143 milhões de reais; depois veio o PSDB, com 140,4; foi seguido pelo PFL, com 135 milhões e, finalmente, pelo PMDB, com 134,6 milhões. Os demais partidos dividiram entre si 32% do Fundo Partidário daquele valor, (260,4 milhões), menos da metade do que aquelas agremiações felizardas.


 



O PCdoB é um exemplo desta distribuição desigual: em dez anos, o partido recebeu 5 milhões de reais, ou apenas 0,6% do total do fundo partidário. Isto é, PT, PSDB, PFL e PMDB tiveram, cada um deles, recursos mais de 27 vezes superiores!



 


Embora não a elimine completamente, a nova regra adotada pelo TSE reduz drasticamente essa desigualdade. O PT, por exemplo, passa a receber em torno de 14 milhões de reais no ano (menos do que receberia pela regra anterior), enquanto o PCdoB aumentou de 800 mil reais em 2006 para 3,5 milhões – a diferença entre os dois cai, com isso, de 27 vezes mais para quatro vezes mais.



 


A reação dos grandes partidos foi imediata, cheganao a atropelar todos os prazos regimentais da Câmara; eles anunciaram a apresentação imediata de uma lei restabelecendo a situação anteior, que or privilegiava largamente, e querem fixar, em lei uma norma de distribuição semelhante à prevista pela lei da cláusula de barreira, derrubada pelo STF. De acordo com ela, 95% dos recursos seriam distribuídos para os grandes partidos (cerca de 120 milhões de reais), e 5% (6 milhões) para todos os partidos com registro no TSE (a regra da cláusula de barreira dava 99% aos grandes e 1% a todos os partidos, incluindo os grandes).



 


Isto é, perderam a cláusula de barreira, mas querem garantir os recursos que aquela lei espúria lhes garantia, numa atitude que revela a hipocrisia da defesa daquela lei, que falava no fim dos partidos de aluguel e fortalecimento da vida partidária, para esconder o objetivo real, que era a apropriação dos recursos do Fundo Partidário.



 


A decisão dos grandes partidos é uma afronta à Constituição, que estabelece o pluripartidarismo e exige a existência de condições iguais de competição eleitoral, e zomba da decisão do STF de 7 de dezembro passado, que derrubou a cláusula de barreira.



 


Vale a pena lembrar alguns trechos do voto do ministro Marco Aurélio Mello, uma peça que honra a consciência democrática brasileira, registra seu avanço e preconiza, no espírito da Constituição de 1988, seu fortalecimento e também dos instrumentos que garantem a representação dos cidadãos, que são os partidos políticos.



 


Aquele voto considerou as regras de divisão dos recursos do Fundo Partidário como “equações extremadas”, de “repercussão avassaladora quanto à sobrevivência e ao crescimento dos partidos políticos”, deixando os pequenos “à míngua”. Lembrando que a Constituição inclui o pluripartidarismo entre os direitos e garantias fundamentais, alertou que ela deu um relevo maior à multiplicidade política, “fazendo-se referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo.” O ministro foi enfático: “Em última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura da maioria”, sendo incompatível com elas qualquer “regramento estritamente legal” que imponha rstrições aos preceitos da Mana Carta.



 


Isto é, a lei comum é incompatível com as exigências constitucionais. Esta pretensão é uma “extravagância”, escreveu o ministro. É uma “extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político.” E, quanto ao rateio do fundo partidário, considerou inaceitáveis as regras previstas na lei condenada, e que agora os grandes partidos querem ressuscitar. “Não é aceitável, sob o ângulo da razoabilidade, tal equação, dividindo sete partidos o grande bolo de 99% do que vier a ser arrecadado para o Fundo Partidário e os vinte e nove partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, inclusive esses sete, um por cento”, escreveu ele, concluindo de forma pouco usual para a solenidade em textos jurídicos dessa envergadura, numa expressão que ilustra a perplexidade e inconformismo do magistrado: “A dose é cavalar”, escreveu.


 



Ele tem razão. Os grandes partidos, perdendo completamente a compostura, legislam abertamente em causa própria, em favor de privilégios que pretendem perpetuar com a criação de uma  oligarquia partidária a partir de regras que eternizam seu domínio e impedem o florescimentos de novas agremiações.


 


 


Afrontam a Constituição e zombam da interpretação dada pela Corte destinada a desfazer as dúvidas a respeito da lei maior. Correm o risco com isso de enfrentar novamente o mesmo combate que culminou na decisão democrática do STF de 7 de dezembro, e que derrotou suas pretensões hegemonistas e oligárquicas. E podem, mais uma vez, serem derrotados em nome da democracia, dos direitos das minorias e das limitações daquilo que o STF bem denominou de “ditadura da maioria”.