FHC quer voto distrital para defender conservadores

Em palestra na Associação Comercial de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou à carga na defesa de posições conservadoras e antidemocráticas, e propôs uma campanha nacional em defesa do voto distrital puro, para ser aplicado já na eleição municipal de 2008.



O ex-presidente e cardeal tucano é um dos campeões da “modernização conservadora” e seus argumentos são reveladores, sob vários aspectos, desse conservadorismo muito pouco modernizador.



FHC disse temer o desmoronamento do sistema político brasileiro caso suas propostas não sejam aceitas – propostas, aliás, que incluem também a adoção da cláusula de barreira, embora ele não tenha se referido a isto em sua palestra.



Em primeiro lugar, que sistema político ele teme que desmorone? Aquele onde os setores mais retrógrados, representados pelo PSDB, pelo PFL e outras forças da direita brasileira, ainda têm forte posição de poder e destaque, embora sob erosão eleitoral, e que tentam ganhar “no tapetão” sua permanência no topo do sistema político. Ou o novo, que está nascendo, enfrentando os obstáculos colocados por aquelas forças conservadoras, e que exige uma reforma política mais democrática, que fortaleça a participação popular?



As dificuldades enfrentadas pelo PFL nas últimas eleições são tamanhas que o partido vai inclusive mudar de nome tentando apagar sua imagem direitista para reverter, pelo marketing, sua erosão nas urnas. O PSDB, por sua vez, vive problemas internos graves e uma crise de identidade que o próprio ex-presidente identifica quando pede uma maior aproximação de seu partido com os movimento sociais…



Mas suas propostas revelam também, atrás do biombo modernizante, uma tradicionalíssima e antiga – de mais de duzentos anos – agenda liberal: para defender os interesses dos proprietários contra os avanços democráticos da maioria da população, que ameaçam a propriedade, exigem um sistema político com representação popular limitada e a soberania política confinada na figura dos representantes eleitos.



James Madison – um grande latifundiário e proprietário de escravos que foi um dos autores da Constituição dos EUA e, depois, presidente estadunidense e um dos fundadores, com Thomaz Jefferson, do Partido Republicano – enfrentou esse dilema no final do século XVIII. E o resolveu dando expressão teórica ao argumento de que, na república democrática, não é o povo quem governa, mas seus representantes.



Os políticos e teóricos da burguesia, defendendo os interesses de todos os proprietários, sempre manobraram nesse sentido, procurando criar esta convivência esdrúxula entre o direito de voto e as limitações para sua expressão ampla.



No passado, desde as revoluções americana e francesa – há mais de duzentos anos – defenderam os “cidadãos ativos”, os proprietários, que tinham todos os direitos políticos assegurados, contra os “cidadãos passivos”, isto é, os trabalhadores e o povo pobre, que ficavam à margem da participação política.



No Brasil também foi assim, desde o Império. Foi a luta popular que alargou o direito de participação e conquistou o sufrágio universal, depois de derrubar um a um os obstáculos opostos pelos conservadores, o direito de voto baseado na renda, a proibição ao voto da mulher, dos analfabetos, dos jovens, o fim dos círculos eleitorais (que era o voto distrital), as restrições à liberdade de organização partidária, etc.



Hoje, o Brasil é uma das maiores democracias do mundo, com quase 130 milhões de eleitores, e essa realidade impede o uso daquelas formas antigas de restrição ao direito de voto. A contrapartida conservadora passa a ser a defesa, assim, da volta de velharias como o voto distrital, fonte de graves problemas políticos e de forte instabilidade durante todo o tempo em que esteve em vigência no Brasil, do Império à República Velha. Ou de “modernidades” equívocas, como a cláusula de barreira, inventada pelos norte-americanos quando ocuparam a Alemanha após a Segunda Grande Guerra, justamente para impedir a participação políticas dos partidos ligados aos trabalhadores e aos comunistas.



A alegada defesa da democracia por FHC não passa de um biombo frágil para ocultar a defesa dos interesses de classe mais retrógrados, que exigem – ao contrário do que diz – a restrição da democracia para afastar qualquer ameaça para sua manutenção e predomínio.