EUA x Rússia: unipolaridade em xeque

Gentilezas à parte, o encontro entre George Bush, dos EUA, e Vladimir Putin, da Rússia, no dia 2, terminou como começou, com o mesmo impasse sobre os três pontos de discordância entre as duas potências: a questão do escudo anti-mísseis no Leste Europeu, a independência de Kossovo e o aumento da pressão para que o Irã renuncie a seu programa nuclear.


 


O principal é o que se refere aos mísseis. E a tensão entre as duas nações já avançou o suficiente para alterar a relação de poder na Europa e recolocar a Rússia em uma posição de força nas relações internacionais, da qual ela havia se afastado desde as décadas de 1980 e 1990, cujo resultado foi o fim do mundo bipolar e o fortalecimento dos EUA como potência única.


 


É um braço de ferro que cresce desde janeiro, quando Bush anunciou a intenção de instalar um radar e dez interceptadores de mísseis de longa distância na República Tcheca e na Polônia, prontamente aceita pelos governos tcheco e polaco.


 


A resposta russa veio por partes. Em 23 de maio, Moscou declarou a moratória do Tratado de Forças Convencionais na Europa, baliza das relações entre a Rússia e o continente. Em 29 de maio, anunciou o lançamento do míssil balístico RS-24, para substituir os antigos RS-18 e RS-20. Vai entrar em operação após 2011, é capaz de iludir a vigilância dos radares anti-míssil, transporta 10 ogivas nucleares, e alcança alvos a 6.500 quilômetros. É um grande reforço da capacidade militar russa e, na prática, inviabiliza o escudo antimíssil que os EUA querem instalar na Europa.
Além disso, no início de junho, Putin anunciou que, se o sistema de defesa dos EUA for instalado na República Tcheca e na Polônia, “os mísseis russos voltarão a ser apontados para a Europa”.


 


Este foi o cenário do encontro entre Bush e Putin em Kennenbukport, no Maine, norte dos EUA. Lá, o item principal do cardápio de Bush foi a pressão sobre o Irã; e o da Rússia, por usa vez, foi o escudo antimíssil.


 


Não houve acordo. Putin chegou a propor uma ação conjunta para a defesa da Europa, a partir de instalações militares no sul da Rússia, e que seriam dirigidas pelos dois países. Encontrou um Bush irredutível.


 


Menos de 48 horas, a resposta russa veio no mesmo tom, reiterando aquilo que fora anunciado em junho. “Se nossas propostas não forem aceitas – e não posso descartar essa possibilidade -, a Rússia continuará a explicar, paciente e persistentemente, sua posição a respeito da questão”, disse Sergei Ivanov, primeiro vice-primeiro ministro russo e provável sucessor de Putin. “Mas, ao mesmo tempo, estamos prontos para adotar as medidas adequadas para garantir nossa segurança.”


 



Nova guerra fria à vista? Ainda é cedo para responder a esta questão, embora seja possível uma constatação: esta é uma das maiores oposições que a unipolaridade dos EUA enfrenta desde o final dos anos 80.