EUA lançam doutrina de segurança para que tudo fique como está

Às vésperas do encerramento da Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que se realiza em Nova York, o governo dos EUA divulga uma nova estratégia de segurança nacional. Não tão nova, afinal. A doutrina que passa a vigorar, defendida pelo presidente Barack Obama, diferencia-se em alguns pontos daquela praticada sob George Bush, mas mantém alguns pontos cruciais que caracterizaram a política externa dos EUA na última década.

A estratégia de segurança nacional divulgada nesta semana em Washington não tem mais seu eixo central na “guerra ao terror” que moveu a histeria coletiva americana dos anos Bush. E aponta para a rejeição formal do unilateralismo característico daqueles anos, que desrespeitou e deslegitimou organismos multilaterais, como a ONU, impondo a estes a vontade do governo de Washington e a ação militar como saída exclusiva para resolver conflitos internacionais. Obama fala agora também em diplomacia, no exterior, e disciplina econômica, dentro dos EUA, para complementar o poder americano no mundo. E quer ampliar as parcerias, incluindo Índia, China e Brasil entre seus parceiros estrangeiros porque, diz, "os fardos deste novo século [sobre a segurança mundial] não podem recair somente sobre os ombros americanos".

São declarações de intenção que, aparentemente, se diferenciam da doutrina Bush, vigente até aqui. Entretanto, examinada mais a fundo, a nova política mantém aspectos fundamentais da agressividade guerreira do imperialismo americano. Ela não descarta claramente, por exemplo, a guerra preventiva que Bush usou como estratégia militar contra povos que julgava ameaçar a segurança dos EUA. Foi dela que resultaram as atuais agressões contra o Afeganistão e contra o Iraque, e também o apoio dos EUA às bárbaras agressões de Israel contra os palestinos.
Embora tenha excluído a expressão “guerra ao terror”, mantém a Al-Qaeda na mira, juntamente com o Irã e a Coréia do Norte, como principais adversários dos EUA. E alinha, entre as maiores ameaças para os EUA, “as armas de destruição em massa, principalmente as atômicas", mantendo a ameaça contra aqueles países.

É neste ponto que a divulgação da política de segurança nacional de Obama se liga ao debate sobre a renovação do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Tudo indica que a conferência vai terminar em fracasso uma vez que as principais potências atômicas se recusam a indicar prazos para o fim dos estoques de bombas e não aceitam parar de modernizar essas armas. Ao mesmo tempo, querem impor aos países que não têm a bomba a responsabilidade pela criação das condições para o fim dos arsenais atômicos.

A novidade, nesta rodada de negociações, é a tentativa do governo dos EUA de impor às nações o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação, que dá maiores poderes de intromissão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para bisbilhotar os programas de pesquisa de países como o Brasil. Além da não proliferação das armas nucleares, o objetivo declarado do protocolo adicional é inibir o desenvolvimento científico dos demais países a pretexto de que o domínio do ciclo nuclear criaria as condições para a produção de bombas atômicas. Ele esconde, contudo, outro objetivo não declarado: o monopólio da tecnologia nuclear para as grandes potências, afastando os demais países de um mercado alternativo de energia muito promissor.

São peças que se encaixam. A garantia da segurança nacional dos EUA passa a envolver, ao lado da força militar, também a diplomacia e a economia. Nesse rumo, o governo dos EUA quer reforçar o poderio mundial de seu país aumentando o controle da tecnologia nuclear, mesmo para uso pacífico (e econômico), brandindo ameaças contra as nações que, como o Irã, não acatam suas exigências. Fala em mudar, mas para deixar tudo como está – com eles no comando.