Discursos opostos sobre a fala de Dilma ao Congresso Nacional

Dois textos publicados pela imprensa nesta sexta feira dão a dimensão das expectativas políticas e programáticas em torno do governo de Dilma Rousseff. Eles avaliam o discurso pronunciado pela mandatária no Congresso Nacional, na abertura dos trabalho legislativos. Um deles, publicado neste portal, “A marca da mensagem de Dilma”, é de autoria do presidente nacional do Partido Comunista do Brasil, Renato Rebelo, e faz uma avaliação otimista daquele pronunciamento. O outro é o editorial do jornal O Estado de S. Paulo, cujo tom pessimista e crítico já é dado pelo próprio título: “Oportunidade desperdiçada”.

Dilma Rousseff foi a candidata da continuidade e do avanço das mudanças iniciadas em 2003, opção reafirmada já nos primeiros pronunciamentos da sucessora do presidente Lula e nos discursos que pronunciou no dia de sua posse.

Há um conjunto de problemas que exigem solução imediata, e eles vão desde a fixação do valor do novo salário mínimo (que o governo insiste em ficar em R$ 545, contra a reivindicação das centrais sindicais de R$ 580) até questões que se arrastam faz tempo, como o Código Florestal, as reformas política e tributária, a legislação sobre a divisão dos dividendos do petróleo entre os estados (essencial para o início da exploração do pré-sal) e temas emergenciais como a saúde, a educação e a segurança pública.

Tudo isso vai exigir muito empenho do governo e dos políticos para a configuração da continuidade do avanço político, econômico e social. É significativa a ênfase dada por Dilma no combate à pobreza extrema e na erradicação da miséria. Um Brasil democrático, desenvolvido e moderno precisa superar esta situação iníqua, insiste ela. Como chamou a atenção Renato Rabelo, os avanços democráticos do país impõem a necessidade de solucionar a chamada “questão social” – são dimensões que caminham juntas e a resolução de uma implica também na solução da outra. Isso tem, escreveu ele, um “significado histórico e civilizacional sem precedentes para um país com uma herança autoritária tão forte como a do Brasil”.

Daí a ênfase na necessidade do crescimento econômico e da continuidade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que encontra fortes resistências na – como disse Renato Rabelo – “verdadeira cultura contra o crescimento econômico [que] ainda impera nos meios de comunicação e mesmo em altas esferas governamentais”. Expressão dessa resistência, dentro do governo, é a insistência na luta contra a inflação a partir de uma concepção conservadora que serve para justificar cortes nas despesas do governo e alta dos juros. É o velho receituário monetarista para combater a alta dos preços através da contenção do consumo e do freio do crescimento econômico.

O desencanto expresso pelo editorial do Estadão é a manifestação justamente daquela “velha cultura” conservadora contra o crescimento, que reflete um conjunto de interesses econômicos e financeiros que se beneficiam justamente daquele velho receituário restritivo no qual aquele arrazoado sobre o discurso da presidente se baseia. O pronunciamento ao Congresso teria sido um “espetáculo memorável”, diz, caso seu foco fosse a “gravidade dos problemas imediatos no Brasil e no mundo de que teria de tratar”, entre ele as “pressões inflacionárias, contas públicas em situação de risco, balanço de pagamentos em deterioração e um cenário internacional cheio de armadilhas econômicas, de desastres meteorológicos e de incertezas políticas”. Não há um “programa digno desse nome” de governo, proclama o jornal paulistano, pois ele implicaria fundamentalmente em cortes de gastos, e sobre isso Dilma não falou.

A disputa sobre os rumos do país está na sociedade e ela opõe os saudosistas neoliberais de Fernando Henrique Cardoso e José Serra aos desenvolvimentistas do PAC, do crescimento econômico com distribuição de renda e valorização do trabalho, soberania nacional e integração continental. Nessa disputa, o editorialista de O Estado de S. Paulo exige o impossível: que Dilma Rousseff adote o programa conservador e estagnacionista que foi derrotado nas urnas em outubro passado. Uma exigência à qual a própria presidente precisa estar atenta para não acolher políticas que, refletindo as demandas conservadoras, impeçam o cumprimento da promessa de campanha de avançar nas mudanças.