Direito à informação, uma dívida da democracia

 


O Projeto de Lei de Acesso à Informação, encaminhado ontem (14) pelo Executivo para a Câmara dos Deputados, era uma dívida do governo com o povo. O direito à informação já estava consignado na Constituição de 1988, mas nunca fora regulamentado.


 


Essa era uma dívida da recente democracia brasileira, restaurada há pouco mais de 20 anos. As arbitrariedades cometidas pela ditadura militar em nome do Estado e a cultura do sigilo sem critérios para acobertar, ainda no período pós-redemocratização, abusos cometidos pelo poder público mantinham-se como prática política respaldada pela legislação brasileira.


 


A nova lei altera substancialmente a legislação em vigor, num sentido mais democrático e aberto. Pela legislação atual documentos classificados como ''ultrassecretos'' podem ter sigilo eterno pois seu prazo de liberação é de 30 anos mas ele pode ser prorrogado indefinidamente. A proposta que o governo enviou para o Congresso acaba com isso e o prazo máximo de sigilo passa a ser de 25 anos, que pode ser prorrogado apenas por prazo determinado. Mesmo assim, é muito tempo de sigilo…


 


A outra novidade é a proibição de que documentos envolvendo direitos humanos possam ser classificados como sigilosos, em qualquer nível. Ela impede com isso que documentos sobre violação de direitos humanos, como assassinatos, desaparecimentos e torturas sejam ocultados dos brasileiros, o que certamente poderá coibir as práticas que atentam aos direitos do cidadão e que ainda são tão comuns em nosso país.


 


Os novos critérios para a disponibilização dos documentos públicos, com prazos para atendimento da população que solicitar informações e punições para aqueles que não os cumprirem podem, aos poucos, alterar a cultura de um Estado alheio à população, acima dela no sentido de julgar que não lhe dever explicações. Esse processo poderá estabelecer um novo tipo de relação entre Estado e sociedade, ampliando o controle e a participação popular.


 


A decisão do governo de tornar públicos os documentos da ditadura militar em posse do Estado e mais, o incentivo para que os documentos privados sejam entregues com o direito ao anonimato de quem entregar, se reveste de alto significado para a geração que combateu a ditadura e sentiu, direta ou indiretamente o peso de seu punho, e também para a atual e as próximas gerações, que terão acesso a informações e poderão ter pleno conhecimento das episódios que marcaram a vida do país.


 


A mudança representada pela proposta é fundamental para a democracia. Os fatos marcantes, as escolhas realizadas e a soma dos acontecimentos que vão forjando o presente e o futuro são determinantes para a construção cultural, política, econômica e social de uma nação, de um povo.


 


A partir da análise crítica dessas experiências, as trajetórias são reafirmadas ou corrigidas. Para isso, a sociedade tem o direito de ter acesso às informações públicas para, de posse delas, ter a soberania de tomar decisões.


 


A palavra final está agora com os deputados federais e os senadores, a quem cabe aprovar a lei. Eles precisam levar em conta que o grau de transparência que os Estados nacionais conferem às ações e decisões públicas – registradas em documentos que os governos classificam com graus diferentes de segredo, definidos em anos durante os quais o acesso a eles não é permitido – é um dos indicadores da democracia e do respeito à cidadania e aos direitos humanos.