Desocupações tucanas revelam a selvageria do capital

Com um intervalo de apenas três dias, o Brasil assistiu a dois episódios lamentáveis de violência e desrespeito aos direitos humanos e de cidadania de centenas de pessoas, especialmente mulheres e crianças.

O primeiro aconteceu na sexta-feira (21), em São Gabriel (RS), durante a desocupação da fazenda Southall, ocupada pelo MST. O outro caso ocorreu na segunda-feira (24), na capital paulista, com a reintegração de posse de um terreno na zona sul da cidade, onde, há mais de dois anos, 800 famílias haviam construído suas moradias numa ocupação batizada com o nome da comunista Olga Benário.

Nas duas desocupações, viu-se a truculência de forças policiais orientadas a fazer valer a lei do mais forte a qualquer custo. Em São Gabriel, o trabalhador rural Elton Brum da Silva, de 44 anos, foi assassinado pela polícia, com um tiro nas costas, e 50 pessoas ficaram feridas.

Em São Paulo, os ocupantes desalojados não tiveram tempo sequer para tirar seus pertences dos barracos. Os que resistiram foram espancados e a polícia lançou bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo contra os moradores. Alguns barracos pegaram fogo e outros foram destruídos por tratores. Agora, os moradores não têm para onde ir.

É sabido que estas reintegrações de posse são decisões judiciais, que não passam pelo poder executivo. Mas chama atenção o fato de tanto a Brigada Militar do Rio Grande do Sul quanto a PM paulista estarem sob o comando de governos tucanos cuja insensibilidade criminosa não só permitiu que suas polícias agissem de forma truculenta, como também não abriu a possibilidade de negociar a retirada dos ocupantes nem oferecer a eles qualquer alternativa de moradia. O consórcio demo-tucano que governa o estado e a capital de São Paulo e a aliança tucano-pedetista que comanda o RS e a cidade de São Gabriel trataram o problema como mero caso de polícia, tratorando, literalmente, o interesse coletivo, bem ao estilo dos piores governos que a direita já produziu.

A truculência exacerbada da polícia nas duas desocupações é só um dos lados chocantes da história. O outro lado, que parece não incomodar a mídia nem as instituições, é o revoltante predomínio do suposto direito de propriedade em detrimento do direito legítimo à moradia. Nos dois casos, o princípio da função social da propriedade, estabelecido pela Constituição de 1988, foi solenemente ignorado.

A situação é reveladora também do quanto o judiciário brasileiro ainda está impregnado de uma noção patrimonialista. O fato de uma parte significativa das propriedades rurais e urbanas do país estar nas mãos de pessoas que tem algum vínculo com o sistema de poder talvez ajude a explicar as dificuldades de se avançar na mudança do status quo que há séculos determina a ocupação de terras no país.

É verdade que nos últimos anos, com o governo Lula, o Brasil experimentou avanços significativos na área social, mas enquanto não forem levadas a sério e a cabo duas importantes reformas: a reforma agrária e a reforma urbana, continuaremos assistindo a cenas lamentáveis de despejo como as que ocorreram nos últimos dias e que só fazem aumentar a sensação de injustiça e desigualdade que escancaram a selvageria do capital.