Coreia: contra a paz  e a soberania, EUA provocam a crise

A divulgação de um novo lote de documentos secretos da diplomacia dos EUA pelo portal WikiLeaks – mais de 259 mil documentos, entre os quais 2.596 sobre a República Popular Democrática da Coreia – confirma um segredo de Polichinelo: a conspiração dos governos de Washington e de Seul contra a soberania nacional coreana, contra os esforços para a reunificação da península e contra a paz.

Os dois governos chegaram a conversar entre si sobre uma eventual reunificação sob controle de Seul, apostando no “colapso” do governo da República Democrática da Coreia, sem especificar o que seria essa debacle, ou quais seriam suas causas.

Isso não é novidade, embora a publicação da correspondência entre diplomatas norte-americanos e seus chefes no Departamento de Estado revele a extensão do cinismo, do desprezo por governos soberanos e pela paz mundial.

A publicação desses documentos coincide com uma das mais graves crises entre as duas Coreias, divididas desde o final da guerra, em 1953. Há mesmo quem considere que esta é a pior crise desde o cessar fogo, ocorrido naquele ano. Na mídia e na diplomacia do imperialismo, o vilão da história é o governo de Pyongyang, tese de marketing político que um exame superficial dos acontecimentos desmente, e que a divulgação dos documentos secretos desmonta.

Oficialmente, as duas Coreias permanecem em estado de guerra desde que, dada a ocupação do território ao sul do paralelo 38N (a Coréia do Sul), o governo de Washington impediu a concretização de um acordo que pusesse fim oficial às hostilidades.

A situação se agravou, nas últimas décadas, desde que as negociações para a reunificação, abertas por iniciativa de Pyongyang e apoiadas pela China, que é a grande potência regional, foram abandonadas após a ascensão em 2008 ao governo de Seul do direitista Lee Myung-bak que, servil aos interesses dos EUA, destruiu os esforços anteriores de entendimento. A presença militar dos EUA no sul cresceu (são quase 30 mil soldados e pode aumentar, diz o analista norte-americano Alan Romberg, ex-conselheiro sobre a Ásia oriental no Departamento de Estado dos Estados Unidos), o país foi incluído naquilo que George Bush chamou de “eixo do mal” e nenhum dos acordos feitos entre Pyongyang e Washington foram cumpridos pelos EUA.

Em consequência, a Coreia intensificou seus esforços de defesa nacional, com o domínio da tecnologia nuclear.

Ao construir uma força bélica capaz de se contrapor às ameaças do imperialismo, a RPDC atraiu uma guerra midiática intensa, que multiplicou as ameaças contra o país. O governo de Seul, com apoio e estímulo dos EUA, passou a tramar sucessivas provocações fronteiriças.
Está assim em Washington, e também em Seul, o fole que assopra as chamas da crise. Um marco no agravamento da crise atual foi o controverso afundamento de um navio sul coreano em março. Ele participava de uma manobra naval perto da linha divisória e o incidente custou a vida de 46 marinheiros. O governo de Seul prontamente acusou Pyongyang (que negou, também prontamente), apesar de fortes suspeitas de que ele tenha sido resultado de um erro cometido por suas próprias tropas e vitimado, portanto, por fogo amigo.

As recentes manobras conjuntas entre tropas dos EUA e do sul, iniciadas dia 23, incluem o porta-aviões nuclear norte-americano George Washington, uma dezena de navios de guerra e 7.300 militares dos EUA, num conjunto de 70 mil soldados envolvidos na operação de provocação contra o governo de Pyongyang. Elas estão previstas para prosseguir até 12 de dezembro. Os exercícios incluem o uso de fogo real, inclusive em áreas próximas à linha que divide as duas Coreias. Foi das tropas envolvidas nessas manobras provocatórias que partiram os disparos, respondidos pelos soldados coreanos e que serviram de pretexto para agravar a crise.

A presença militar norte-americana no sul faz parte da estratégia do governo de Washington de manter a China sob cerco; daí o enorme desinteresse em negociar qualquer acordo para a reunificação.

Aliás, rotineiramente a diplomacia dos EUA sabota todos os esforços nesse sentido e cria obstáculos inclusive para negociações no contexto da instância conhecida como Seis Partes, e que incluem a China (presidente), as duas Coreias, os EUA, o Japão e a Rússia, paralisadas desde o ano passado, embora o governo de Pyongyang insista em sua retomada.

Num artigo publicado na revista direitista norte-americana Nation Review, o analista Henry Sokolski resumiu o sentimento dos falcões que orientam a diplomacia de Washington. “Trabalhando com a Coreia do Sul e o Japão, os Estados Unidos deveriam chamar uma unificação das Coreias em termos aceitáveis para o Sul”. Para ele, a China deveria ser convidada a participar, desde que queira. “Qualquer esforço sério requererá que a Coreia do Sul obtenha empréstimos para financiar a transição e que a China permita a entrada de refugiados em seu território”. Isto é, tendo à frente os interesses geopolíticos, militares e dos grandes grupos financeiros dos EUA, sobra para a China o problema social dos prováveis refugiados e para Pyongyang a rendição pura e simples.

Esta não pode ser, claramente, uma proposta de paz e de unificação, mas sim de agravamento dos conflitos na região.