Condições inéditas para a integração continental

Com a recondução de Hugo Chávez à presidência da Venezuela, fecha-se a rodada 2006 de eleições presidenciais na América Latina. A direita pró-EUA manteve suas posições na Colômbia, El Salvador e México — no último sob forte suspeita quanto à legalidade do mandato de Felipe Calderón. Em praticamente todo o resto do continente, triunfou, com diferentes nuances, a maré rebelde.


 


A parcial da apuração venezuelana divulgada nesta terça-feira (5) dá ao revolucionário bolivariano uma vantagem ainda maior do que se acreditou no domingo. Com 91% dos votos apurados, ele tem 62,6% do total. Seu adversário Manuel Rosales, mesmo tendo obtido a adesão 42 organizações oposicionistas antes concorrentes, teve 37,2%. Foi divulgado também o comparecimento, 75%, o mais elevado da história da Venezuela (onde o voto é facultativo).


 


A onda vermelha do 3 de dezembro venezuelano, desta vez reconhecida sem as relutâncias de hábito até pela oposição conservadora interna e por seus amigos de Washington, cria condições excepcionais e sem precedentes para a causa da integração latino-americana. Chávez, discípulo assunido de Simón Bolívar, já no domingo dedicou sua vitória ''a todos os povos da América latina e do Caribe'', ''inclusive o povo cubano e o presidente Fidel Castro''.


 


O triunfo do integracionismo, em especial da América do Sul, desmente as tentativas de divisão. O romancista peruano Vargas Llosa voltou a insistir na tese que lançou no ano passado, que cinde a esquerda latino-americana em uma facção ''boa'' e outra ''má'' e ''pré-histórica''. Causa espécie que o autor de Conversa na Catedral, que não perdeu o talento literário mesmo quando se passou para a direita em política, sustente com candura de ''perfeito imbecil'' (para usar a expressão llosiana) uma tese tão pouco sensível aos fatos.


 


Não que os latino-americanos se perfilem ''unidos e coesos'', como diziam os comunicados das ditaduras militares de outrora, e não há porque almejar esse tipo de unanimidade, em sociedades divididas em classes tão desiguais. Porém, neste início de século, a proposta integracionista tornou-se predominante.


 


Este predomínio só pode ser comparado com a realidade histórica anterior. Por obra das oligarquias colonizadas que sempre nos dominaram, éramos países de costas uns para os outros. No caso do Brasil, a ligação telegráfica com a Europa (1874) precedeu em três décadas aquela com o Paraguai e a Bolívia. E quando o atual presidente da República tomou posse, em janeiro de 2003, ainda não havia uma só ponte ligando o país aos seus vizinhos do Mato grosso para cima.


 


Isto mudou, ou começou a mudar. Nesta sexta-feira reúne-se em Cochabamba, Bolívia, a 2ª Cúpula Sul-Americana. A primeira, há apenas dois anos, em Ayacucho, Peru, lançou as bases da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que a segunda pretende agora impulsionar.


 


Em paralelo ao encontro dos chefes de Estado, uma efervescente Cúpula Social de movimentos populares se reunirá em Cochabamba: crítica, vigilante, reivindicativa. Divisão? Divisões são inerentes às sociedades dilaceradas em classes antagônicas. O que chama a atenção é que nunca, desde Bolívar, os participantes de uma e outra Cúpula compartilharam em tamanha medida uma causa de dimensão estratégica tão gigantesca como a integração continental.