''Cansei'': a OAB nacional não apóia o movimento da burguersia paulista

 


A decisão de não apoiar o protesto da direita, conhecido como ''Cansei'', tomada no dia 6 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reafirma a tradição democrática daquela entidade, que tem uma longa folha de serviços ao progresso social no país, acentuada pela luta contra a ditadura militar de 1964 e, depois, pelo Fora Collor, de 1992.


 


 


A decisão foi tomada em virtude da participação da OAB paulista na direção daquele movimento, juntamente com outras entidades representativas da grande burguesia paulista e brasileira, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e outros grupos. E com apoio explítico de líderes do PSDB, embora todos declarem enfaticamente que aquele não é um movimento partidário, mas ''cívico''.


 


 


Ao enfileirar-se com a cúpula do sistema de poder (formada pela alta burguesia, capital financeiro, mídia conservadora e lideranças políticas da direita, como o tucanato), a OAB paulista distanciou-se das suas congêneres dos demais estados, numa atitude rechaçada prontamente pela OAB do Rio de Janeiro, que denunciou o conservadorismo político daquele movimento, classificando-o como  ''golpista, estreito e que só conta com a participação de setores e personalidades das classes mais abastadas do estado de São Paulo''.


 


 


Desde sua aparição pública, o ''Cansei'' mostrou-se uma repetição, pálida, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade que, em março de 1964, levou a classe média às ruas em apoio ao golpe militar em andamento. Naquela época, a direita mobilizou milhares de pessoas contra a democracia e a ordem constitucional; hoje, só conseguiu, por enquanto, algumas centenas. Na manifestação do dia 4, a previam levar gente para a rua em onze estados. Conseguiram em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Curitiba, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul. E somente na capital paulista sensibilizaram um grupo de endinheirados, demonstrando a relativa musculatura do movimento ao levar para o Ibirapuera entre dois mil, segundo a maioria das fontes, a três mil pessoas, segundo cálculo da Folha de S. Paulo. Nos demais, ficou em torno de duzentos participantes, com destaque para Brasília, com a participação de 80 ''cansados'' e Campo Grande (MS), com 10… Uma realidade numérica que acentua o caráter ''paulista'' do movimento.


 


 


Mas há outros aspectos a serem levados em conta. Um deles é a demonstração de descompostura e falta de educação e civilidade de uma classe dominante ressentida com Lula e os altos índices de aprovação e popularidade do governo e do presidente que as pesquisas de opinião apontam.


 


 


Mostrando os dentes em manifestações tipicamente fascistas, a raiva dos endinheirados é exibida em xingamentos contra Lula, Marta Suplicy e políticos que apoiam o governo, em escala e intensidade nunca vista em manifestações de massa no Brasil, e beirando o rés do chão em manifestações xulas e explícitas de autoritarismo que desmentem o caráter ''apolítico'' que as lideranças burguesas proclamam, deixando no ar um forte odor de saudades da ditadura militar.


 


 


Outro aspecto é o foco disfarçado do movimento, que se apresenta como ''sem programa'', mas tem uma plataforma muito definida. Ela ficou clara na entrevista do empresário Paulo Zottolo, presidente da multinacional Philips do Brasil e um dos criadores do movimento, à Folha de S. Paulo, dia 2 de agosto. Ele define o ''Cansei'' como um ''movimento de indignação'' – indignação contra a permanência de Lula na presidência da República… E em defesa dos ricos e dos endinheirados: ''não preciso me sentir culpado porque sou rico'', afirmou.


 


 


O sonho dourado da burguesia é uma política ''técnica'', ''apolítica'', sem luta de classes – mas esta é um fenômeno objetivo, onde os protagonistas se opõe em defesa de interesses próprios cujo atendimento exige a redistribuição da renda e do poder.


 


 


O Brasil entrou em uma etapa nova com a eleição de Lula em 2002 e sua reeleição em 2006. Nesta fase, a oposição entre os que sempre mandaram no país e aqueles que buscam ampliar seu protagonismo social e político se acentua. Sem discurso para sensibilizar o povo e os trabalhadores – cuja identidade com o presidente transparece nos altos índices de aprovação que as pesquisas de opinião revelam – a direita ataca pelos flancos, indiretamente, num clamor ''chique'' que envolve todos os problemas e exige uma ação do presidente inclusive em áreas que a lei, criada pelos tucanos e pela direita, destruiu os instrumentos de intervenção pública e impede a atuação do governo.


 


 


Nesta nostalgia do ''líder'', do ''salvador'', do ''fuhrer'', jogam tudo no colo do presidente e tentam desenhar um perfil de incompetência quando ele é impedido de agir justamente pela legislação que os próprios tucanos criaram. Este é o fundamento do fascismo de movimentos como o da elite paulista: a lei só existe para ser cumprida quando favorece aos seus interesses de classe. Quando conflita com eles, o sonho de uma saída baseada na força mostra garras e dentes. Mas não se traduz num programa direto, nem pode, pois revelaria ele é frágil, anti-democrático, defende interesses de classe e é, por isso, impopular. O máximo que conseguem alegar é a ''indignação'' e o ''cansaço''.