Atentado nos EUA, que virou a Meca da intolerância

Numa terra onde lojas vendem armas como se fossem eletrodomésticos e o extremismo da direita usa a mídia e seus representantes no Congresso para tocar o bumbo da eliminação física dos adversários e das pessoas consideradas “inferiores”, a proliferação de assassinos seriais pode ser vista como uma consequência do radicalismo conservador e uma resposta à pressão da mídia retrógrada contra mudanças de caráter democrático e progressista.

Mas o atentado contra a deputada democrata Gabrielle Giffords em Tucson (Arizona, EUA), que no sábado, dia 8, matou seis pessoas (entre elas uma menina de nove anos de idade e o juiz federal John Roll) e feriu outras treze é mais um sintoma da profundidade da crise vivida pelos EUA, país que se torna cada vez mais um lugar perigoso para se viver.

A forte reação da extrema direita contra a tentativa de reforma do sistema de saúde do governo de Barack Obama transformou o país mais rico do mundo, e agora mergulhado numa crise que parece sem retorno, em uma vitrine da intolerância. O conservadorismo usa, em suas investidas contra reformas sociais, temas de forte ressonância religiosa, condenando o aborto a educação sexual, a união civil homossexual, as ações afirmativas em favor de minorias étnicas e o reconhecimento dos direitos dos migrantes.

O atentado de Tucson foi uma das expressões desse conservadorismo, neste caso através da manifestação da intolerância e de métodos violentos, presentes no dia a dia através das perseguições oficiais ou não contra os imigrantes.

Mas esta é a superfície da crise. O discurso extremista republicano, que tem ícones com o Tea Party, alguns “ratinhos” da direita que pregam barbaridades pelo rádio e pela televisão, e líderes políticos como a notória Sarah Palin, responde a uma cisão mais profunda na sociedade americana. Os muito ricos, mimados por sucessivos governos desde Ronald Reagan, eleito em 1980, que aplicaram políticas de corte de impostos para os milionários, redução dos gastos sociais do governo, redução de salários, combate à organização sindical dos trabalhadores, agressão guerreira contra povos e países, baseiam a defesa de seus interesses na defesa ideológica do indivíduo e na persistente suspeita contra a ação do governo, a presença ativa do Estado na economia e nas áreas sociais.

Acusam neuroticamente o governo de minar a independência individual quando oferece programas sociais e quando intervém para fomentar o crescimento econômico. É o discurso dos magnatas que se locupletaram nestas décadas de dogmatismo neoliberal e que conseguiram impor ao governo políticas para salvar suas fortunas e seus interesses durante a crise desencadeada em 2008, não importando o aprofundamento da crise social com seu séquito de desemprego, despejos, miséria e desalento.

É significativo que o ataque do sábado tenha ocorrido durante um encontro da deputada Giffords com seus partidários num estacionamento de supermercado, em Tucson, no Arizona onde o governo local, republicano, tem se destacado pela violência contra os migrantes e pela intolerância em relação aos direitos civis. Giffords, uma democrata crítica da legislação anti-imigração do governo do Arizona e defensora da reforma do sistema de saúde, já estava na lista dos extremistas de direita há algum tempo. Em março de 2010 seu comitê de campanha já havia sido atacado por extremistas de direita; durante a campanha do ano passado, quando foi reeleita, ela recebeu duras críticas de adeptos do movimento conservador de direita conhecido como Tea Party. O candidato republicano, que disputava com ela, dizia em sua propaganda ser necessário “disparar um rifle automático M16 com Jesse Kelly” contra a candidata democrata.

A queridinha da direita, Sarah Palin, ex-governadora do Alaska e ex-candidata a vice-presidente na chapa republicana derrotada por Barack Obama em 2008, incluiu Giffords em uma lista de vinte nomes que, em sua opinião, deveriam ser varridos do Congresso dos EUA. A lista trazia os nomes dos candidatos no centro de um alvo de armas de fogo, sugerindo que devessem ser fuzilados.

O autor do atentado, um homem de 22 anos de idade – Jared Loughner – disparou 31 tiros contra a multidão, e já há um esforço da mídia conservadora para apresentá-lo como uma espécie de doente mental, enquanto se multiplicam os sinais de seu ativismo extremista de direita.

O roteiro da violência direitista que se desdobra nos EUA – só nos três primeiros meses de 2010 ocorreram 42 ataques contra escritórios de parlamentares favoráveis às mudanças na legislação de imigração e à reforma do sistema de saúde – em crise não é fenômeno novo. Outros países em outros momentos históricos também viveram experiências amargas que cobraram enorme preço à humanidade.

Em outra situação histórica, o ventre imundo do capitalismo-imperialismo decadente e agressivo dos Estados Unidos gesta um novo tipo de fascismo. As insanáveis contradições da sociedade norte-americana são o caldo de cultura radicalismo e o fanatismo cria o caldo de cultura para o ódio e a intolerância, que algumas autoridades já não podem deixar de reconhecer. Um diretor do FBI, Robert Mueller, alertou para o “discurso de ódio e outros discursos de incitação”, dizendo – referindo-se especificamente ao Tea Party – que hoje este é um desafio para as forças de segurança.

O xerife Clarence Dupnik, que investiga o atentado, foi mais contundente e objetivo. Os EUA se transformaram "na Meca do preconceito e da intolerância", disse ele. “Quando vejo estas pessoas desequilibradas e a forma como respondem à violência que sai das algumas bocas para derrubarem o Governo, penso na amargura, no ódio e na intolerância que se estende ao longo do país e que se está a converter num escândalo". Com suas palavras, ele pôs o dedo na ferida sangrenta, dolorosa e selvagem da resistência da direita às lutas democráticas e progressistas, por direitos e justiça.