As reservas da China e o declínio dos Estados Unidos

A China acumulou, até o final de setembro deste ano, reservas cambiais no valor de US$ 3,2 trilhões, as maiores do mundo, de acordo com informações divulgadas nesta sexta-feira (14) pelo Banco Central do país. O fato reflete o crescimento da economia chinesa e é emblemático da vertiginosa ascensão do gigante asiático.

Desperta também rancores e ciúmes no chamado Ocidente, em especial dos EUA, que acusam Pequim de explorar em proveito próprio os desequilíbrios do comércio internacional através de uma suposta “manipulação cambial” e ameaçam retaliar com medidas protecionistas que podem desencadear uma guerra comercial de consequências imprevisíveis.

Washington atribuiu hoje aos chineses a causa de sua própria decadência, quando esta, a rigor, é um processo histórico impulsionado pelo menos desde os anos 1970 e enraizado no crônico déficit comercial (praticamente ininterrupto desde 1971). O rombo na conta de mercadorias, um câncer que devora lentamente a indústria estadunidense, reflete a carência de poupança interna e o insaciável parasitismo de Tio Sam, traduzido na propensão a consumir além dos próprios meios que produz, graças ao papel especial do dólar no mundo e ao crescente endividamento do Estado e da sociedade.

Cabe recordar que, nos anos 1980, o império entrou em conflito econômico com o Japão por pretexto semelhante ao que agora levanta contra a China, ou seja, o formidável desequilíbrio comercial no Pacífico. O alvo é outro, mas o problema de fundo não mudou. É o velho vício do parasitismo que, conforme notou Lênin, tem a virtude de provocar a decomposição da liderança das potências hegemônicas.

As reservas da China refletem a expansão do país num contexto de desenvolvimento desigual das nações, ao ritmo médio de 10% ao ano durante as três últimas décadas, e têm, basicamente, duas fontes: o superávit obtido no comércio exterior, principalmente nas relações com os EUA, e os investimentos externos realizados pelas transnacionais na economia chinesa.

Não se trata de uma conspiração imperialista contra os EUA. O capital estrangeiro, inclusive norte-americano, é atraído pela expansão do PIB e taxas de lucros mais elevadas que no chamado Ocidente. Nasce aí o fenômeno do deslocamento da indústria, e com ela do poder econômico, para o Oriente. Marx explica este movimento do capital, que – alheio a estratégias políticas e idiossincrasias nacionais – é determinado por um único objetivo: a maximização dos lucros.

É óbvio que o superávit chinês contracena com os déficits do Ocidente e não está divorciado dos denominados desequilíbrios globais reproduzidos de forma ampliada por Washington, que estão na raiz da crise mundial do capitalismo. Mas a responsabilidade pelo drama é do próprio imperialismo e cabe aos EUA, e a ninguém mais, resolvê-lo.

O doloroso caminho nesta direção não nos é estranho. Passa necessariamente por um ajuste interno capaz de harmonizar o consumo com a renda e os investimentos com a poupança. Significa, sim, redução de gastos governamentais e não temos o que lamentar. O império é obeso, possui gorduras em excesso.

No caso, a Humanidade e o próprio povo norte-americano teriam razão para comemorar e respirar de alívio se os cortes necessários, e provavelmente inevitáveis, recaírem sobre o monstruoso orçamento militar, que equivale à soma das despesas bélicas de todos os demais países do mundo e é estimado por alguns especialistas em mais de US$ 1 trilhão. Deixar de despejar dinheiro no sistema financeiro e impor tributos aos ricos, atendendo ao clamor popular que ecoa em Wall Street, também ajuda a conter os desequilíbrios e combater o flagelo do desemprego e dos despejos que infernizam a vida de milhões de famílias operárias no interior do país capitalista mais rico do mundo.