As cores e as diferenças dos brasileiros

O povo brasileiro é uno, mas sua pele tem muitas cores. Duas notícias dos últimos dias reforçam este reconhecimento. A primeira delas foi a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Estatuto da Igualdade Racial (dia 9); a outra foi a divulgação, pelo IBGE, da PNAD 2008, no qual, pela primeira vez, mais da metade dos brasileiros (50,6%) se declara preta ou mestiça. Com uma característica importante: diminui o número daqueles que se consideram brancos ou pretos, e aumenta o número dos mestiços. A PNAD 2008 registrou também, mais uma vez, a profunda desigualdade que divide esse povo uno.

Há dados a comemorar, com muita moderação. A renda média cresceu quase 20% em relação a 2004 (era de R$ 782, agora é de R$ 937). As desigualdades diminuem, a passo de tartaruga. O índice de Gini (que varia de 0 a 1, e quanto mais alto mais desigual é a sociedade medida por ele) vem caindo. Em 1989 era de 0,638, um dos mais altos do mundo (apenas a Namíbia tinha concentração maior); em 1995, primeiro ano do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, foi de 0,583; em 2002, último ano do governo tucano, chegou a 0,566 – uma redução de 0,017. Sob Lula, caiu para os atuais 0,521 – um recuo de 0,045, ou quase três vezes maio rápido do que sob FHC. Mas é uma queda muito lenta, ante uma desigualdade gigantesca – na Europa Ocidental, por exemplo, o índice de Gini é da ordem de 0,300.

A distribuição de renda é o retrato dessa concentração. Numa ponta, os 10% mais pobres ficaram com apenas 1,2% do total; na outra ponta, os 10% mais ricos ficaram com 42,7%! Isto é, 36 vezes mais. É justamente entre os mais pobres que estão os brasileiros de pele mais escura. O próprio IBGE mostra que, historicamente, a renda mensal média de negros e mestiços é metade do que os brancos recebem. Em setembro do ano passado, por exemplo, enquanto os brasileiros de pele clara tiveram renda média de R$ 1.292, os negros e mestiços ficaram com apenas R$ 660 – isto é, quase a metade (51,1%).

Há avanços, mas tão lentos – diz o Ipea (Instituto de Pesquisa Aplicada) – que serão precisos pelo menos 20 anos para os brasileiros alcançarem a igualdade entre claros e escuros. Esta é realidade que exige a adoção de políticas públicas para corrigir essas distorções herdadas do período escravista.

Mas isso caminha a passo lento, como se pode ver na aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 6264/05, que cria o Estatuto da Igualdade Racial, que tramita desde 2003 e agora está no Senado para deliberação. Ele instituía cotas raciais na educação, incentivos para as empresas que contratem negros e punição para o racismo na internet, entre outras medidas. Mas a pressão de deputados, principalmente do DEM e do PSDB forçou a retirada, da lei, das cotas nas universidades e das regras para o reconhecimento das comunidades quilombolas. O percentual de candidatos negros nas eleições caiu de 30% para 10%. A cota de 20% para artistas negros em filmes ou programas de televisão também caiu. Nas escolas, a cota foi mantida, mas sem definir o percentual de vagas reservado. E as empresas que tiverem pelo menos 20% de trabalhadores negros serão favorecidas com incentivos fiscais.

Foi o estatuto "possível diante da correlação de forças do Congresso", disse o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos. É uma correlação de forças que reflete a forte resistência da elite brasileira em reconhecer o racismo e suas mazelas e impõe limites à conquista da igualdade. E que conflita com a crescente disposição dos brasileiros em se reconhecerem um povo uno, mestiço, mas marcado por diferenças que precisam ser superadas.