Anistia não é amnésia

Os últimos dias têm sido ricos em episódios que resgatam o debate sobre o papel que cada lado –a esquerda e a direita– desempenhou na luta pela redemocratização do país.


 


Começou com o questionamento feito pelo senador oposicionista Agripino Maia (DEM-RN) à ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, sobre ela ter mentido quando estava sendo torturada nos porões da ditadura.


 


Dias depois, o Ministério Público Federal em São Paulo entrou com ação contra os torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Na ação, o MPF acusa o Exército de ser o responsável pelo sigilo ilegal de documentos do Doi-Codi de São Paulo e pede que os ex-comandantes do órgão sejam pessoalmente responsabilizados por torturas, mortes e desaparecimentos.


 


Na semana passada, durante um ato de homenagem aos 70 anos da UNE, o ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu o julgamento daqueles que cometeram crimes de tortura durante o regime militar para que tenham direito à anistia política, como pleiteiam. “Alguns deles, de boa-fé, dizem que a anistia foi feita para todos, inclusive para os torturadores. Muito bem, se ela foi feita para os torturadores, eles têm que ser julgados, têm que receber uma pena e depois receber a anistia”, explicou Tarso.


 


O presidente nacional da OAB, Cézar Britto, defendeu a fala do ministro: “Para que eu perdoe, eu preciso saber do que estou perdoando. A razão do perdão. Por isso que insistimos que anistia não é amnésia”, argumentou Britto.


 


Com suas palavras, Tarso e Britto repercutiram uma antiga reivindicação dos setores democráticos que cobram esclarecimentos sobre os crimes cometidos pelo regime militar.


 


Como era de se esperar, a reação das viúvas da ditadura foi imediata. O sempre inconveniente deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), representante legislativo do que há de pior nas casernas, tentou, sem sucesso, intimidar o ministro Tarso Genro durante audiência na Câmara dos Deputados, chamando-o de “terrorista”. Ao mesmo tempo, clubes militares emitiram notas condenando a possibilidade de se rever a anistia de agentes da repressão que torturaram e mataram em nome do regime.


 


Parte da grande imprensa usa colunistas e editoriais para também sustentar este tipo de argumentação que tenta dizer que a Lei de Anistia, de 1979, passou uma borracha em nossa história e que mexer no baú dos anos de chumbo só trará ressentimentos e prejuízos para a sociedade brasileira. Sustentam ainda que as indenizações pagas aos anistiados que lutaram e foram perseguidos pela ditadura militar são exageradas e que seus beneficiários estão apenas se locupletando com o dinheiro público.


 


Diante deste tipo de argumentação, merecem ser reforçadas as palavras de Cézar Britto: “anistia não é amnésia”. Quando se anistiam pessoas que lutaram pelos valores democráticos, estamos louvando e cultivando o exemplo delas. E quando resgatamos informações sobre os crimes cometidos pelos agentes da ditadura, ainda que os criminosos sejam anistiados, estamos blindando a estrutura política do país para que as brutalidades do regime de exceção nunca mais se repitam.


 


Países vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai, que também sofreram nas mãos dos militares, conduzem processos muito mais ativos e altivos de resgate de informações e punição pelos crimes políticos cometidos por seus respectivos governos militares.


 


O Brasil deve à sua história e ao seu povo um processo semelhante. Um primeiro passo para isso é a necessária abertura dos arquivos secretos do período da ditadura (1964-1985).