A refundação da Bolívia

Evo Morales tem razão ao proclamar a refundação da Bolívia, após a expressiva vitória do Sim à nova Constituição, no referendo de domingo, que teve 60% dos votos, contra os 40% dados ao Não defendido pela direita fascista e racista.



A nova Constituição vai mudar a feição do país. Com ela , disse o presidente, ''as pessoas excluídas e marginalizadas terão os mesmos direitos de todos os outros''. Ela reconhece a integridade da cidadania dos indígenas (seis em cada dez habitantes, formando a maioria da população), dá mais poderes ao governo para regular a economia, estabelece o limite de 5 mil hectares (50km2) para qualquer propriedade territorial, e abre a possibilidade de Evo Morales disputar um novo mandato eleitoral


 


Tudo indica que a implementação da Constituição encontrará forte oposição por parte da direita boliviana, a mesma que, em 2008, quase levou o país à guerra civil. Eles alegam que o Sim teve menos votos do que os 67% obtidos por Morales no referendo que poderia revogar seu mandato, no ano passado, resultado que a direita compreendeu como um ''declínio'' no apoio ao presidente. Outro argumento se apega ao resultado territorial do referendo. O Sim foi amplamente vitorioso em La Paz, Oruro, Potosi e Cochabamba; houve empate em Chuquisaca; e o Não venceu em Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando.



O sinal de uma forte oposição a Constituição foi lançado já na noite de domingo, quando a governadora de Chuquisaca, Savina Cuéllar, convocou à desobediência civil bramando por ''Desacato, desacato, desacato!'' O governador oposicionista de Tarija, Mario Cossío, alegou que ''não será possível aplicar a Constituição'', e quer ''um novo processo constituinte''; enquanto o ex-candidato presidencial da direita, Samuel Doria Medina, alegou que, com a vitória do Não nos estados governador pela oposição, Morales tem em mãos ''uma Constituição de minoria''.



São argumentos mistificadores. Primeiro porque a população somada dos estados governados pela direita soma 3,4 milhões de moradores, contra os 5,6 milhões dos estados cujos governadores apoiam o governo central, e que formam a maioria do país. Chuquisaca, onde o Sim teve 51% contra 49% do Não (havendo, assim, um empate) tem 611.700 habitantes. Isto é, o Sim venceu nos estados mais populosos, onde estão 58% dos bolivianos, contra 35% que moram nos estados governador pela oposição, e meros 0,6% no estado onde houve empate.



O argumento mais forte em defesa da legitimidade do resultado é o do vice-presidente Alvaro García, para quem o referendo foi ''uma eleição nacional, o resultado é nacional, e a maioria manda'', concluindo: ''acatemos o que diz a lei''.



O enfrentamento boliviano opõe interesses poderosos, enraizados no passado colonial e na exploração inquestionada do trabalho da parte mais pobres da população, majoritariamente indígena. ''Agora refundamos a Bolívia'', proclamou Morales. ''Aqui termina o Estado colonial, acabou o colonialismo interno e externo. Graças à consciência do povo boliviano, acabou o latifúndio e os latifundiários''. Apontando, assim interesses que são o alvo da nova Constituição.