A França e o aprendizado do Norte com o Sul

O primeiro turno para presidente da França, neste domingo (22) restaura polarização tradicional no país: direita-esquerda, entendidas à moda francesa, como a direita ''republicana'' da UMP (União por um Movimento Popular) e a dócil esquerda do PS (Partido Socialista, social-democrata). Ficou afastado o espectro de uma repetição de 2002, quando o ultradireitista Jean Marie Le Pen passou para o segundo turno. A disputa será entre Nocolas Sarkozy, que teve 31,1% e Ségolène Royal, 25,8% dos votos.



À esquerda de Ségolène, o primeiro turno cobrou uma alta fatura sobre aqueles que dilapidaram o patrimônio conquistado com a vitória do ''Não'' no referendo de maio de 2005. Aquele terremoto antineoliberal, abria a via para uma mudança de rumos políticos. As forças do ''Não'' de esquerda, porém, se fragmentaram em cinco candidaturas, erodidas pela lógica do ''voto útil''. Somaram 10,57% dos votos de domingo.



As dificuldades da esquerda francesa e européia levam uma parte dos seus intelectuais a voltar os olhos para a América Latina. Eles proclamam que aqui, no Sul do mundo, estão em curso as práticas de transformação social mais inovadoras, ao passo que a Europa se repete, com esquerda e direita a discutir se a conversão neoliberal será mais selvagem ou mais civilizada. Chamam o Norte a aprender com o Sul.



Do ponto de vista do Sul, esse raciocínio pode soar como animador, mais ainda quando vem de um continente acostumado a se enxergar como centro do planeta. E é possível que contenha o seu grão de verdade. Porém a lógica básica dos embates políticos não respeita paralelos ou meridianos.



No Sul latino-americano como no Norte europeu, as questões de fundo permanecem: qual programa, qual unidade, qual militância. Também do lado de cá do Equador existe – e como! – a tensão entre a esquerda que resiste e aquela que se curva aos postulados neoliberais. Quanto a aprendizados, já é hora dos seres humanos se livrarem da idéia fundamentalmente errônea de que eles devem ter mão única, seja qual for a direção.



O segundo turno coloca a França face ao perigo encarnado por Sarkozy, que não é um direitista ''republicano'' qualquer. Já nas urnas de domingo, calcula-se que ele revigorou seu desempenho com mais de 1 milhão de votos que migraram da ultradireita. Ao encerrar sua campanha, ele investiu tal qual Le Pen contra a ''moda do arrependimento'' do colonialismo, dizendo que ''sonha'' com uma frença que ''respeite'' os que ''pensaram de boa fé agir por um ideal de civilização'' ao colonizarem terras alheias.



Nestas condições, faz sentido o lema ''Tudo menos Sarkozy'', que desde o domingo galvaniza as forças progressistas. Todas elas se uniram no apoio a Ségolène Royal.



Não será uma eleição fácil mas tampouco é uma eleição decidida de antemão. O candidato da UMP desperta temores e rejeições com seu estilo truculento. O debate televisivo de 2 de maio, o primeiro a confrontar os dois candidatos, pode ter um papel crucial. O Sul acompanhará com interesse a contenda, e há de aprender com ela.