A crise financeira nos EUA vai afetar o Brasil?

Desde pelo menos há um ano, quando a crise dos subprime eclodiu nos EUA, veio à tona o debate sobre os efeitos da crise em nosso país. Desde então, ele varia de intensidade, acompanhando o ritmo do derretimento de Wall Street. Agora, volta com força.


 


Quando se trata de politica e economia, o debate sempre parte de posições de classe. Algumas vezes muito claras; outras nem tanto. E é bastante comum que os protagonistas do debate apresentem seus interesses de classe, facções, grupos econômicos ou posiçôes ideológicas, sob o manto dos ''interesses gerais''. Falam em ''Brasil'', mas querem dizer ''minha classe'', ''meu grupo'', e assim por diante.


 


Por isso, quando se pretende examinar as repercussões da crise financeira, que se aprofunda nos EUA, em nosso país, todo cuidado é necessário. É preciso desconfiar de afirmações peremptórias, principalmente se suas bases concretas são pouco explícitas.


 


O Brasil tem um longo histórico de beneficiar-se das crises externas para fortalecer seu desenvolvimento. Um exemplo muito citado é o da década de 1930, quando o país saiu da crise mais rapidamente do que os demais e já em 1933 voltou aos níveis de produção anteriores a 1929, quando houve a quebra da bolsa de Nova York.


 


Isso foi no passado. Nestes quase oitenta anos desde a terça-feira negra de 1929, o Brasil mudou radicalmente. Deixou, há muito, de ser a nação agrícola que era, e hoje sua indústria está entre as maiores do planeta. Sua dependência externa está também muito diminuída, desde que o atual governo adotou medidas nesse sentido.


 


A resposta à pergunta colocada pelo debate (qual será o efeito da crise financeira no Brasil?) não pode ser do tipo ''afundamos junto'', como pensam alguns, ou ''estamos blindados'', como dizem outros. Ela é mais complexa e exige o exame de um conjunto de fatores, internos e externos.


 


Entre os externos está o próprio desdobramento da crise dos EUA e seu efeito em países cuja parceria com o Brasil cresceu na última década (como a China, principalmente), cujo desempenho econômico pode ter efeito direto sobre as exportações brasileiras.


 


Entre os internos, é preciso levar em conta uma série de aspectos, entre eles o volume da dívida externa, a influência do pagamento dos juros sobre as contas nacionais, a variação do câmbio, as oscilações do valor do dólar no mercado mundial, o volume das reservas nacionais, a formação bruta de capitais no país (que define a capacidade de investimento). Outros fatores são o comportamento do crédito (e do preço do dinheiro) no país; a relação entre investimentos na produção, nível de emprego e volume dos salários, e a forma como o consumo das famílias afeta o crescimento da economia. É preciso levar em conta também a existência de instrumentos para a intervenção do governo na economia para fomentar o crescimento econômico (como, por exemplo, bancos estatais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Num país que alcançou o desenvolvimento que o Brasil exibe hoje, estes são alguns fatores que afetam a capacidade de dar uma resposta nacional à influência externa.


 


Neste debate, uma corrente enfatiza a solidez dos chamados ''fundamentos da economia''. E ela resulta, é preciso frisar, da resistência à aplicação do receituário neoliberal, que encontrou forte oposição da sociedade, dos trabalhadores e de setores do empresariado. Foi isso que impediu sua aplicação completa pelos governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, apesar dos esforços que fizeram.Uma das consequência, benéficas para o país, foi não privatização dos principais bancos de propriedade do governo federal que, agora, se revelam instrumentos poderosos de intervenção do governo na economia e, nesse sentido, de salvaguarda contra a crise financeira externa.


 


Não há resposta simples para a questão. Escrevendo para CartaCapital desta semana, o ex-ministro da Economia Antonio Delfim Netto, um desenvolvimentista conservador, lembrou estes aspectos para concluir de forma otimista que o Brasil vai, ''a não ser por uma catástrofe universal'', sofrer menos do que a maioria das outras nações. De qualquer forma, o Brasil não é mais a nação ''reflexa'' que se supunha no passado e, hoje, tem maior capacidade de responder de forma autônoma às conjunturas externas. Mesmo assim, qualquer resposta à questão em debate precisa estar baseada menos na vontade e mais na análise daquele conjunto de fatores que condiciona a resposta.