A cor dos brasileiros

Aos poucos, o povo brasileiro vai se encontrando consigo próprio e assumindo uma auto-imagem que supera antigas imposições eurocêntricas que descrevem os brasileiros como brancos. O resuldado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), referentes a 2006, divulgado pelo IBGE dia 14, é uma indicação segura desta saudável mudança na forma dos brasileiros compreenderem-se a si próprios. Pela primeira vez a Pnad registra uma maioria de brasileiros ''não-brancos''.



A pesquisa envolveu 145,5 mil domicílios em todo o país, e verificou que a população total alcançou 187,2 milhões. No quesito ''cor'', o critério do IBGE é a auto-classificação do entrevistado, que declara sua cor.



A pesquisa mostrou o crescimento no número daqueles que se declaram de cor preta: em 2005, eram 6,3% da população; um ano depois, aumentaram para 6,9%. Em 2006, 12,9 milhões de pessoas descreveram-se como pretos, 1,3 milhão a mais do que em 2005.



O número dos que se consideram ''pardos'' aumentou de 79,7 milhões para 79,8 milhões mas, apesar disso, passou de 43,2% em 2005 para 42,6% no ano passado. Foi o que ocorreu também com o número de brancos, que era de 92,1 milhões em 2005 e passou para 93 milhões em 2006, caindo percentualmente de 49,9% para 49,7%.



É uma evolução significativa, que fica ainda mais visível quando olhada numa perspectiva de tempo mais larga. O Pnad de 1999 ainda mostrou, por exemplo, que mais da metade dos brasileiros se declaravam brancos cerca de uma década atrás: eram 54% do total, ao lado de 39,9% que se declaravam ''pardos'' e 5,4%, pretos. E já era um resultado mais realista do que o do Cendo de 1980, que computou 136 ''cores'' diferentes usadas pelos entrevistados para descrever a tonalidade de sua pele, fugindo – ecreveu na época o historiador Clóvis Moura – de sua ''verdade étnica, procurando , através de simbolismos de fuga, situar-se o mais próximo possível do modelo tido como superior''.



Em 2006, a soma daqueles que se consideram ''não-brancos'' – isto é, pretos e ''pardos'' _ superou, pela primeira vez desde o censo populacional de 1890, a metade dos brasileiros. Os ''não-brancos'' constituem 50,1% da população, frente a 49,7% dos que se consideram brancos.



O resultado envolve uma série de significados positivos para os brasileiros. Um deles, e talvez o principal, é o reconhecimento implícito, de que, sendo um povo novo, o brasleiro é um povo mestiço. Outro é um indício da superação daqueles ''simbolismos de fuga'', deixando para trás o complexo de inferioridade correspondente ao racismo e à visão do negro e do mestiço como inferiores.



Este complexo de inferioridade tem larga história no Brasil, tendo sido alimentado durande séculos pelo racismo irradiado a partir das classes dominantes. Os negros e mestiços sempre ocuparam os degraus inferiores da sociedade brasileira, considerados racialmente inferiores e ''obstáculo'' para o desenvolvimento civilizatório do país. Multiplicaram-se, após a abolição da escravidão, profecias de que no futuro os contingente preto e mestiço da população diminuiria, prevalecendo ao fim o contingente branco. Em julho de 1911, o delegado brasileiro ao 1º Congresso Internacional das Raças (!), realizado em Londres, previa que, em um século, pretos e mestiços desapareceriam da população brasileira, e o Brasil seria branco; mais tarde, na introdução aos resultados do Censo de 1920, outro racista notório, o sociólogo Oliveira Vianna, escreveu que ''a regressão dos tipos mestiços se dará em favor do homem branco''.



Foi um sonho racista vão. A evolução histórica em nosso país, ao contrário, levou à fusão de povos de incontáveis origens. Hoje, como o resultado do Pnad mostra, somos cada vez mais, com muito orgulho, um povo misturado.