A Bolívia, sem medo do Império

A decisão do presidente Evo Morales, da Bolívia, de expulsar do país o embaixador estadunidense Philip Goldberg é um sinal da gravidade da crise provocada pela oposição de direita, que quer ''derrubar o índio'', como diz, para tudo voltar a ser como sempre foi. As raízes da crise estão na eleição do primeiro presidente indígena, cuja posse em janeiro de 2006 assinalou o início de um programa de reversão dos privilégios seculares da classe dominante boliviana e seus vínculos com o imperialismo dos EUA.


 


A crise se agravou à medida que as ações do presidente deixaram claro que a promessa de refundar a nação era para valer, e o confronto entre o governo e a elite política e empresarial dos departamentos (os estados bolivianos) mais ricos, que formam a chamada ''meia lua'', no leste do pais, ficou mais agudo durante o processo constituinte para institucionalizar a proclamada refundação nacional.


 


Além de um racismo antiindígena cada vez mais visível, a resistência direitista volta-se contra mudanças constitucionais que eliminam seus privilégios. A oligarquia dos departamentos mais ricos não aceita medidas democráticas como o reconhecimento do poder popular e a ampliação do protagonismo político dos indígenas;  opõe-se à nacionalização dos recursos naturais; quer manter o controle sobre a riqueza gerada pelo gás (e não aceita seu uso para combater a pobreza), e rejeita a reforma agrária prevista pela Constituição e os limites para o tamanho máximo dos estabelecimentos agrícolas. Sem solução no parlamento boliviano (o governo tem maioria na Câmara dos Deputados mas a oligarquia controla o Senado), Evo Morales convocou um referendo constitucional para 7 de dezembro, quando a nova Carta será submetida a julgamento popular.


 


Este foi o pretexto para o aumento da histeria oposicionista nas últimas semanas, frente à perspectiva de legitimação da Constituição pelo voto popular. A oposição teme que se repita, no referendo constitucional, a mesma consagração alcançada por Evo Morales no referendo revogatório de 10 de agosto, quando o presidente foi apoiado por 67% do eleitorado, tendo mais votos do que na eleição de 2005, e vencendo mesmo em departamentos governados pela direita.


 


Havia a esperança de que o resultado do referendo levasse governo e oposição à negociação. Mas a direita fez uma leitura da votação no rumo oposto. Para resolver o impasse que ela própria criou, a oligarquia fez uma opção golpista e insurrecional, e intensificou a pressão contra o governo. As ações ilegais e violentas multiplicaram-se nas últimas semanas, com a ocupação e o vandalismo contra sedes regionais de agências do governo (principalmente do Instituto Nacional de Reforma Agrária) e postos de arrecadação tributária do governo central, luta de rua, ataques contra a infra-estrutura, bloqueio de rodovias e postos de fronteira. Os últimos dois dias viram atentados mais graves, como a explosão do gasoduto na província de Tarija e, depois, a sabotagem de uma válvula do mesmo gasoduto, causando sérios prejuízos para a exportação de gás para o Brasil, podendo agravar a situação financeira do governo.


 


É um golpe em andamento, com apoio da diplomacia dos EUA, denunciou o presidente Morales. Evo acusou o governador Rubén Costas (de Santa Cruz) e o empresário Branko Marinkovic, de serem os líderes do movimento golpista, amparados abertamente pelo embaixador Goldberg.


 


O Partido Comunista da Bolívia juntou-se a esta denúncia de um ''golpe de Estado civil'' e convocou os bolivianos à resistência contra a tentativa de ''instauração de uma ditadura fascista'' e contra a divisão do território boliviano.


 


Goldberg é um especialista em ações contra a democracia e a soberania nacional. Teve notório papel no retalhamento da antiga Iugoslávia, onde serviu antes de ser enviado para La Paz. Foi o chefe da  missão estadunidense em Pristina, no Kossovo, sendo um dos articuladores da conspiração que levou à separação daquela região, deixando um rastro de sangue. Na Bolívia, multiplicam-se as evidência de seu envolvimento na formação e financiamento de milícias direitistas com recursos da Usaid (Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional). E que o filiam à estirpe dos berles, gordons e shapiros, e sua nefasta ação contra a democracia e a soberania nacional nos países sul-americanos. E evoca a liderança da diplomacia estadunidense nas conspirações que levaram aos golpes de estado contra João Goulart, no Brasil e Salvador Allende, no Chile, e à proliferação das ditaduras que infelicitaram os povos nesta parte do mundo. Ou à fracassada tentativa de deposição de Hugo Chávez, em 2002.


 


O apoio público do governo brasileiro ao presidente Evo Morales foi imediato e envolve um apelo para uma saída negociada para a crise. Ele ''insta todos os atores políticos a que exerçam comedimento, respeitem a institucionalidade democrática e retomem os canais do diálogo e da concertação, na busca de uma solução negociada e sustentável'', disse uma nota divulgada pelo Ministério de Relações Exteriores.


 


A nota exprime a preocupação dos democratas e patriotas. O governo Morales precisa ser defendido; as transformações vividas pela Bolívia precisam ser apoiadas ativamente; as ações do imperialismo, da embaixada dos EUA e da direita fascista precisam ser combatidas com vigor. O que está em jogo na Bolívia, além da democracia, do respeito à lei e à soberania e integridade do território, são as mudanças continentais, onde o imperialismo estadunidense tenta restaurar posições que perdeu ao longo desta década.


 


Os ataques contra a ordem legal e a democracia na Bolívia fazem parte do mesmo movimento que inclui o apoio ao governo marionete do direitista Álvaro Uribe, na Colômbia, e o envio da 4ª Frota para ameaçar a integração da América do Sul. A defesa da legalidade e das mudanças na Bolívia tem o mesmo sentido da defesa e do apoio ativo aos novos caminhos, soberanos e democráticos, que o continente trilha em nossos dias.