Vítimas da fé

Este dia 26 marca o 10º aniversário da descoberta, pela polícia, dos corpos de 39 pessoas que se mataram seguindo a orientação de seu líder religioso Marshall Applewhite, que fundou a seita Heaven’s Gate (Portal do Paraíso). As mortes ocorreram entre 22 e

Outros suicídios religiosos ocorreram na segunda metade do século passado, como o dos 911 seguidores do reverendo Jim Jones em novembro de 1978, naGuiana Inglesa, os 79 davidianos, os 500 da Restauração dos Dez Mandamentos, os 39 da Ordem do Templo Solar.


 



É interessante que, quando atribuem à religião fatores positivos, como o consolo dos aflitos, auxílio aos necessitados, esperança aos degredados, os defensores das crenças no Além – e nos sacrifícios aos deuses – tratem de se desvencilhar destes exemplos suicidas, como se fossem “obras do Diabo”. 


 


São inúmeras as religiões que assombraram e assombram o mundo. E diversificadas – a tal ponto que umas acusam as outras de serem obras de Satã. No geral, são excludentes: as há politeístas e monoteístas, as que admitem demônios e as que não crêem neles, as que se valem de magia e as que condenam as bruxas à fogueira, as que têm deusas e sacerdotisas e as que consideram a mulher origem do pecado, as que aceitam e usufruem da escravidão e as que pregam a libertação… As atualmente dominantes são, no geral, conservadoras e manipulam seus seguidores no rumo do reacionarismo político.


 


As religiões têm sido cotidianamente derrotadas pela ciência, e reagem com ferocidade. Instruem seus parlamentares a vedar verbas para pesquisas e demonizam seus resultados, acionam seus adeptos para impedir o livre debate de idéias e de opções diante de temas como aborto, eutanásia, divórcio, casamento entre homossexuais etc. E dentre os temas tabus está a própria crítica à religião – quem a faz é, por definição, “sectário”, “intolerante”, “invasivo”, “desrespeitador da crença dos outros” e por aí vai.


 


Richard Dawkins, um materialista militante inglês, chamou a atenção, com razão, para o fato de que, desde a infância, as crianças estão “condenadas” à religião dos pais. Seria um absurdo dizer que o filho de um ateu é ateu; que o filho de um marxista é marxista; que o filho de um darwinista é darwinista etc. Mas é encarado como natural que o filho de um judeu seja considerado judeu; de um islâmico, islâmico; de um cristão, cristão…


 


O preocupante é que os religiosos usam e abusam da predominância que têm sobre a sociedade para impor seus pontos de vista. No último dia 21, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou a convocação de plebiscito sobre sete questões, inclusive a legalização do aborto e a união civil de homossexuais – assuntos sobre os quais diversas seitas opõem-se como Deus ao Capeta. A Comissão seguiu parecer do senador do PRB-RJ, Marcelo Crivella, que prevê a realização dos plebiscitos dentro do prazo de um ano. Crivela, que é bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, vale-se do fato de as seitas há muito realizarem campanha contra a aprovação dessas medidas, reivindicando contra elas a “palavra de Deus”, por isso a idéia de um apressado plebiscito passional substituindo uma discussão sensata, como análise cuidadosa e aberta de todos os fatos e alternativas.


 


Um significativo número de pessoas deprimidas encontram nas seitas um lenitivo e sentem alívio no convívio com outros adeptos de suas crenças. Mas, mesmo em tempos adversos, é necessário o enfrentamento filosófico e político dos malefícios do obscurantismo religioso. Afinal, a fé já causou muitas vítimas. E outras causará.

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