Velhismo, envelhecimento e envelhescência

O envelhecimento na ativa inclui todas as dimensões da nossa vida: a física, a mental, a social e a espiritual.

Escrevi em “Adolescer de amor no outono da vida” que “com o aumento substantivo da expectativa de vida no último meio século, em tese, pessoas de meia-idade, as pós-cinquetonas, têm pela frente um tempo enorme que pode ser dedicado ao prazer de viver relações afetivas apenas pelo prazer que elas podem aportar em suas vidas, sem outras preocupações que não seja o privilégio do direito ao exercício do prazer” (2006).


 



Abomino a nefasta, preconceituosa e criminosa cultura do velhismo. A envelhescência é uma fase linda da vida que trilho prazerosamente e o envelhecimento é uma situação coletiva nova a desafiar a humanidade nos seus mais diferentes aspectos.


 


 


Na síntese do relatório do Fórum da Longevidade, “A Longevidade é uma Conquista”, consta que o IBGE estima que em 2050 o Brasil abrigará 64 milhões de sexagenários (24,66% da população), relembrando que “em 2005 apenas 9% da população tinha mais de 60 anos de idade (16,3 milhões)”. Carlos Trabuco Cappi, vice-presidente do Bradesco, pontuou: “de 1910 a 2006, as pessoas passaram a viver mais 29 anos em média” (“O Futuro Já é Presente”, Informe do Bradesco Seguros e Previdência, SP, 30.11.2006).


 


 


Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao longo deste século, aumentou muito a esperança de vida, que crescerá em todas as populações do mundo. Há 580 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Em 2020, elas serão 1 bilhão – aumento de 75% em comparação com 50% da população (“Envelhecimento: Mitos na Berlinda”, 1999).


 


 


A OMS declarou 1999 como Ano Internacional dos Idosos com o lema “Mantenha-se ativo para envelhecer melhor”, reconhecendo ser esta a chave para que pessoas idosas continuem desempenhando papéis na sociedade. O envelhecimento na ativa inclui todas as dimensões da nossa vida: a física, a mental, a social e a espiritual.


 



Todavia, as soluções cosméticas da vida nos acenam, insistentemente, que, “ao envelhecer, a gente devia ganhar apenas experiência, mas, infelizmente, cabelos brancos, ruguinhas e marcas de expressão estão incluídas no pacote. As injeções de toxina botulínica e ácido hilaurônico atenuam o envelhecimento do rosto” (“Apague as Marcas do Tempo, Daniela Lapetina). Simples, não? Mas não é. Parece inócuo. Mas nem sempre é.


 



Sob a ditadura da beleza, os mitos da beleza e a valorização da eterna juventude para quem já passou da idade, é patente a angústia com as marcas do tempo no rosto e a força implacável da lei da gravidade em todo o corpo, que o faz despencar, literalmente. Entram em cena o apelo aos reboques, retíficas e recauchutagens – as cirurgias plásticas que visam criar belezas atemporais e dar aquele “ar de eterna juventude”.


 



Ah, se todos os sabores e dissabores do envelhecimento fossem apenas da ordem do “despencar”! O ponto central é que pessoas velhas em geral são desprezadas e aviltadas em suas famílias. Os governos as colocam num saco roto chamado de Terceira Idade, como se fossem um bloco monolítico, e ensaiam algumas políticas, que pouco saem do papel. Mesmo no Brasil, com o empurrão do Estatuto do Idoso – sistematização de direitos das pessoas idosas e dos deveres dos governos, da sociedade e das famílias para com elas.


 



O aumento da expectativa de vida, a longevidade em si, reconheço como uma conquista. E o passar dos anos e as marcas do tempo, numa perspectiva histórica da humanidade, de certa forma são inegáveis privilégios.


 



Na crônica “Fazer 61 anos é um privilégio, meu amor. Felicidades!” (15.3.2006), afirmei a um poeta muito amado, um sex(agenário), “regozije-se com o privilégio de completar 61 anos. Apenas um recado de Simone de Beauvoir: Se não foste feliz quando jovem, certamente que tens agora tempo para o ser', pois chegou numa fase da vida que entenderá, plenamente, porque Carlos Drummond de Andrade disse que 'há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons'”.


 

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