“Um lugar na Platéia”:Alegre Escapismo

Numa Paris onde tudo está no lugar, a diretora francesa Daniele Thompson faz uma comédia sobre encontros e desencontros com o toque de uma fada madrinha, que tenta transparecer que nenhum problema há para além da vida dos personagens

As comédias, invariavelmente, são produzidas apenas para divertir. Nada de temas enfadonhos ou que façam refletir. Quando muito uma pitada de malícia aqui e outra ali, para mostrar que não se deve achar graça em tudo na vida. Menos, é claro, nas amorais comédias de Billy Wilder, nas quais as fraquezas humanas levam ao riso. É o caso do marido, feito por Tom Ewel, que, em “O Pecado Mora ao Lado”, se aproveita da saída da mulher e dos filhos, para tentar seduzir a vizinha, Marilyn Monroe. Numa linguagem ágil, eles vão se envolvendo até o desfecho, sem que nada lembre as transformações operadas na vida das pessoas pela Guerra Fria. Fato semelhante ocorre em “Um Lugar na Platéia”, da francesa Danièle Thompson, que registra vários encontros e desencontros ao longo  da Avenida Montaigne,  tendo ao fundo a Torre Eiffel.



                    


Pelos deslumbrantes cenários de uma Paris de sonhos transitam personagens, cujas histórias vão se entrecruzar ao longo do filme. Cada um deles, à sua maneira, tem contas a ajustar consigo mesmo, tendo como ponto de ligação a garçonete Jéssica (Cécile De France), espécie de fada madrinha que os fará se reconciliar. Com estes fios de enredo, a diretora Danièle Thompson mantém as regras da comédia, leve, sem lançar um olhar para fora da cidade, marcada nos últimos anos por conflitos étnicos. Os ambientes por onde transitam seus personagens é o teatro, a casa de leilão de arte e o restaurante onde Jessica trabalha; nada que lembre o cotidiano das pessoas comuns. A única que destoa, por sua maneira singela, humilde, quase ingênua, é Jéssica, cujo principal objetivo é sobreviver.


 


                     


Roteiristas usam vários artifícios para manter o público atento


                    


 


Poderia ser uma novela em que convivem, no mesmo cenário, ricos e pobres, numa harmonia de contos de fada. Nenhum deles incomoda o outro, principalmente quando Jéssica se encontra por perto, e ela sempre está ali para ouvir, auscultar ou mesmo se intrometer nas relações entre eles. Com uma história assim, escrita pela diretora e seu filho, também ator no filme, Christopher Thompson, o escapismo parece estar garantido. Ambos, no entanto, são espertos o suficiente para saber que apenas isto é insuficiente para manter as platéias atuais entretidas e presas ao sofá durante 90 minutos. Usam, para alcançar seus objetivos, diálogo ágil, espirituoso, curto, palavras de duplo sentido ou linguajar despudorado – veja conversa de Catherine com Brian Sobinski -, que ajudam o filme andar. Muito contribuem, para seu intento, os personagens simpáticos, contraditórios e frágeis o necessário para criar empatia com o público.


 



                 


Tudo isto seria pouco se eles, os personagens, não demonstrassem capacidade de expor suas fraquezas, de sucumbir diante do outro. Aos poucos se percebe que todos estão em crise, precisando de uma mão que os permita se reconciliar uns com os outros. O pianista Jean-François Lefort (Albert Dupontel) com sua mulher, empresária e camareira Valentine (Laura Morante); o milionário e colecionador de arte, Jacques Grumberg (Pierre Brasseur), com seu filho Frédérick (Christopher Thompson); a atriz maníaco-depressiva Catherine Versen (Valérie Lemercier) com sua arte e, por que não, a jovem  sem-teto Jessica com sua vida. È neste momento que a diretora muda o tom de sua comédia, para torná-la um símbolo da necessidade de as pessoas largarem suas idiossincrasias para viver de acordo com seus anseios, inclusive abandonando os ditames de uma estrutura que não os permite ser eles mesmos. Terão, como Jacques, de largar o que construiu durante toda a vida, desfrutar a vida ao lado da jovem mulher, Valérie (Annelise Hesme), e conhecer melhor o filho Frédérick.


 


               


Dilema de Cathaerine é lutar para ser vista como uma atriz séria


             


 


Mais conflitante é a vida de Lefort, pianista famoso, disposto a  renunciar a uma carreira de sucesso para levar sua arte a doentes, jovens e pobres de uma cidade interiorana qualquer. Só não o faz porque teme ser abandonado pela mulher Valentine, sua paixão. Numa bela cena, ele, durante o concerto  em que é solista, despe-se, ficando apenas de calça e camiseta, numa demonstração de estar disposto a largar tudo por ela. Romântico, idealista, porém radical. Já o dilema de Catharine, atriz de televisão, onde faz a novela, “Prefeita”, de grande sucesso,  é lutar para ser reconhecida como intérprete séria, capaz de discutir com o respeitado diretor Brian Sobinsky (o diretor americano Sidney Pollack), numa linguagem que pretende ser crítica, mas termina sendo apenas  agressiva. Embora o riso surja numa e noutra cena, o que envolve a platéia é mesmo a condução, direção de Thompson, que mantém atores, personagens, história, no lugar.



           



Quando Jéssica se interpõe entre Jacques e Frédérick é para não deixá-los se distanciar. Um quer se desfazer de sua rica coleção de arte, nela há uma peça que interessa a Jacques. Ela os fará entender o que é importante para um e outro. Sua ação sobre a vida de Lefort não é menos significativa. Ela o chateia, ao flagrá-lo ensaiando para um concerto, por não ter cultura musical suficiente para gostar de uma peça clássica. Mostra-lhe, então, que ela domina, sem perceber, uma cancioneta de Mozart. Ele se encanta, mas é Jéssica que irá influenciá-lo a partir daí. Menos nas de Catherine, voltada para algo que a distancia da garota, fã da personagem na novela “A Prefeita”. A exemplo de inúmeras atrizes e atores de novela, ela também quer ser vista como uma intérprete capaz de grandes vôos. E rende os instantes mais cínicos e cruéis do filme: o que é capaz o ser humano para alcançar seus objetivos!


          



Uma comédia feita fora de sua época


          



Enfim, “Um Lugar na Platéia” é o tipo de filme que se vê sem sobressalto. Deixa, porém, uma pergunta. Foram nos momentos do período entre guerras, da guerra fria, que se produziu as melhores comédias. Enquanto o escapismo predominava, também, nos musicais, montava-se uma luta feroz pela supremacia dos EUA. Quando esta se estabeleceu, as comédias e os musicais desapareceram. O gênero cumpriu, pelo que vê, seu objetivo. Hollywood hoje produz comédias cheias de grossuras, sem sutilezas, que atestam à decadência do império. E os musicais sumiram nos anos 60. Os últimos dignos de nota, das décadas de 70 e 80, foram os de Bob Fosse (“Cabaret”,  “O Show Deve Continuar”). Desde então, salvo pelo esporádico “Chicago” e o desastroso “Showgirls”, eles deixaram de ser produzidos. Talvez tenhamos visto o fim de uma era nestes dois gêneros. Leveza e riso deixaram de ser sinônimo, ainda que numa comédia, “Um Lugar na Platéia”, que tenta contornar o impasse, pondo uma pitada de drama aqui e ali para emoldurar um conto de fadas moderno.  


 



“Um Lugar na Platéia” (Fauteils d´Orchestre). Comédia. França. 2006. Duração: 106 minutos. Roteiro: Dniéle Thompson e Christopher Tompson. Elenco: Cécile De France, Valérie Lemercier, Albert Dupontel, Laura Morante, Claude Brausseur, Sidney Pollack.

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