Último entulho autoritário?

Em condições normais, dificilmente você consegue mensurar o verdadeiro caráter das pessoas. Sob tensão, em momentos de definição relevante, aí sim, as pessoas se revelam.

Os “sobreviventes dos Andes” – personagens do fatídico acidente aéreo que vitimou a seleção uruguaia de rugby – não se intimidaram em praticar o canibalismo quando a fome superou a racionalidade, embora tenham resistido com bravura aos primeiros dias de privação.



A reação de algumas personalidades ao sepultamento da famigerada “cláusula de barreira”, dá bem a dimensão do caráter de certos “democratas de ocasião”. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada pela unanimidade de seus 11 membros, revela, a um só tempo, a elevada convicção da inconstitucionalidade da medida, bem como a determinação daquela corte de eliminar de nosso arcabouço jurídico um dos últimos entulhos autoritário da ditadura militar.



Os que esbravejam contra a decisão do STF são os mesmos personagens que, nas tribunas, citam Montesquieu para ilustrar seus compromissos com a democracia, enquanto tramam, nos bastidores, para cercear a liberdade de organização partidária e a democracia. Neste episódio, porém, se desnudaram, tiraram à máscara, revelaram uma profunda concepção totalitária.



A cláusula de barreira, cópia mecânica de sistema alemão, não tinha como objetivo ampliar ou aperfeiçoar o sistema democrático, mas impedir que organizações históricas como o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) existissem legalmente. Buscava, através de mecanismos “legais”, fazer o que nenhuma ditadura conseguiu fazer: eliminar uma idéia que, em última análise, só pode ser vencida por uma idéia superior, mais avançada.



Resta a alegria de constatar que “ainda há juízes em Roma”, dispostos a não apostarem que a eventual eliminação da liberdade de organização partidária hoje, não se converterá na supressão da liberdade de todos amanhã.

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