Trave no Muro da Vergonha e a beleza do futebol

A excelente reportagem da jornalista Théa Rodrigues aqui no Portal Vermelho  sobre a situação do futebol na Palestina levantou uma questão interessante. Para quem não leu, trata-se de uma denúncia sobre as dificuldades que esportistas da região enfrentam para praticar suas modalidades. No caso do futebol, a federação local promete ir à Fifa e pedir a exclusão de Israel da entidade por causa das restrições que o país impõe aos atletas.

As dificuldades dos futebolistas vão desde interrogatórios desgastantes e degradação de campos a prisões arbitrárias e agressões que põem em risco a continuidade da carreira dos jogadores.

Pela situação que a região enfrenta há anos, a denúncia, embora seja importantíssima e sempre digna de registros, não surpreende. Se Israel viola direitos básicos dos cidadãos comuns, é de se imaginar que faça o mesmo com esportistas. O próprio capitão da seleção local, Roberto Kettlun, diz na reportagem que “as dificuldades que existem na Palestina para praticar qualquer esporte são as mesmas que tem qualquer pessoa (residente nos territórios ocupados)”.

Outra declaração do meio-campista também chama a atenção: “uma criança que vê nos jornais sobre o que aconteceu em um campo de futebol pode perder a motivação, pode ter medo de virar atleta”. Isso é triste por uma infinidade de razões. A mais básica é o desencorajamento da prática de uma atividade física, algo fundamental para qualquer pessoa. Mas as complicações vão além.

Um menino impedido de chutar uma bola perde algo lúdico no seu desenvolvimento, uma alternativa de distração, de entretenimento, de lazer. E quando a dureza da vida adulta chega ao campo (e à vida em geral) em forma de bombas, tiros e agressões, parte da pureza da infância se vai e no lugar dela fica uma semente de amargura e ódio, que não tem outra alternativa a não ser crescer.

No entanto, apesar de tudo isso, na Palestina ainda se vê muitos meninos que gostam do esporte. Correndo atrás da bola, vestindo camisas de times, fingindo ser Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo. É aí que está a parte mais bonita do futebol: quem está jogando não consegue pensar na política, na opressão, num conflito milenar que não tem nenhum indício de que está próximo do fim.

Para um garoto que gosta de futebol, não importa se a trave é o Muro da Vergonha e o se o chão árido cheio de pedras é o gramado. No instante em que está lá, o objetivo dele é o mesmo dos melhores jogadores do mundo na final da Copa: fazer mais gols do que quem está do outro lado.

Quando o jogo acaba tudo volta ao normal. Os soldados israelenses ainda estão lá. Ainda é preciso racionar água, passar pelos postos de controle militar israelenses, se proteger de bombardeios. Mas se uma simples distração consegue ocultar essa realidade por alguns minutos, ela já provou ter um valor inestimável.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor