Teatro político e ópera dos vivos

No dia 16 de janeiro deste ano, na abertura do Curso Nacional de Formação de Formadores e Formadoras, promovido pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil-CTB e pelo Centro de Estudos Sindicais-CES, os participantes assistiram, em São Paulo, à peça teatral Ópera dos Vivos, da Companhia do Latão.

Assistindo à peça, lembrei-me dos sofridos anos 60, nos quais, através das peças de teatro, músicas, jornais e outros meios de comunicação, as arbitrariedades do regime foram denunciadas. Peças teatrais como Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, Arena Conta Zumbi de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, Roda Viva de Chico Buarque, ao lado de tantas outras, desempenharam um papel importante na formação da juventude da época e deram um novo alento ao teatro político. O preço pago por essa ousadia foi muito caro. Prisões, torturas e censura atingiram brutalmente estudantes, trabalhadores e trabalhadoras, incluindo-se aqueles que se dedicavam à arte em geral, e mais especificamente, diretores e atores de teatro.

Romário Boreli, escritor e diretor musical de Morte e Vida Severina, compôs uma canção que se refere à censura da época: “Naquele tempo as palavras tinham asas / tinham cores e cobriam de repente a cidade com flores/ tinham fogo e acendiam nos lares a ternura de todos/ davam viva/ iam cantando, murmurando”. E continua: “Mas de repente as palavras sem fronteiras acordaram, entre muros, assustadas prisioneiras…”.

Os anos passaram. A ditadura caiu. O teatro político refluiu. Segundo Gilberto Amêndola, “teatro político” tornou-se um palavrão impronunciável, um pecado digno da pena mais hedionda à disposição do mercado”. Termos como maniqueísta, simplista e reducionista são utilizados para golpear o teatro que não se submete ao capital.

Mesmo tendo que remar contra a corrente, há grupos teatrais que ousam enfrentar os desafios e manter acesa a chama do teatro engajado politicamente. Entre estes grupos, destaca-se a Companhia do Latão, dirigido pelo Professor da USP Sergio de Carvalho e que conta com atores e atrizes que apresentam um belo trabalho artístico, atuando coletivamente. A peça Ópera dos Vivos a que me referi, tem como fio condutor uma reflexão sobre a mercantilização e a mecanização da cultura atual, referindo-se à produção dos anos 60, no teatro, no cinema, na música e na televisão. O trabalho é resultado de uma grande pesquisa realizada pela Companhia do Latão, tendo como referência a ótica de personalidades marcantes da cultura do nosso país, como Vianninha, Glauber Rocha e Augusto Boal. Consegue aliar engajamento político e refinamento estético.

A peça tem 4 horas de duração e está dividida em 4 atos:

1. Sociedade Mortuária, que mostra um grupo de camponeses que, em Pernambuco, no início dos anos 60, funda uma associação para realizar enterros decentes. A referência de conteúdo são as Ligas Camponesas e a referência estética é o teatro do Centro Popular de Cultura – CPC da UNE;

2. Tempo Morto, filme produzido pela Companhia do Latão, que acontece num país imaginário, mas que evidentemente se refere ao golpe militar de 64, no Brasil. O filme está relacionado a Terra em Transe, de Glauber Rocha, que é precursor do Cinema Novo.

3. Privilégio dos Mortos, festival de canções que conta a história de uma cantora de protesto. Estabelece-se a distinção entre a música de protesto e o tropicalismo.

4. Morrer de Pé, representação teatral de um estúdio de televisão, que discute a mecanização do trabalho do artista. Mostra que as relações de trabalho no campo cultural também vão ficando cada vez mais alienadas e mercantilizadas.

O teatro atinge a emoção daqueles que assistem. No meu caso atingiu profunda e duplamente: por um lado, pelo fato de poder reviver um tempo que marcou a minha vida de intensa participação no movimento estudantil e, por outro, porque uma das atrizes da Ópera dos Vivos é Ana Petta, minha filha.

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