Super-Receita precariza o trabalho

A Câmara Federal aprovou na semana passada a emenda número 3 do Projeto de Lei 6.272/05, que trata da criação da chamada Super-Receita. A medida representa um duro golpe nos direitos dos trabalhadores, já que retira dos fiscais do governo federal o pod

Segundo nota divulgada por cinco entidades de renome – Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) –, a emenda, formulada no Senado e agora aprovada na Câmara, resultará em “prejuízos imensuráveis para a classe trabalhadora”.


 


Desproteção do Estado


 


“A emenda condiciona a atuação fiscalizadora do Ministério do Trabalho, quando constatada a relação de trabalho fraudulenta, ao prévio exame da Justiça do Trabalho. Essa normal legal retira do trabalhador o direito de ser protegido pelo Estado contra a prática de contratação sob formas precarizantes, disfarçadas de trabalho autônomo, eventual ou sem vínculo de emprego… O efeito prático será, de imediato, a suspensão de toda legislação que protege o empregado. Isso porque, todo o ato praticado pelo empregador terá validade jurídica, mesmo que contrário aos princípios básicos do direito trabalhista”.


 


“A medida prevê o afastamento de qualquer agente estatal, deixando a possível sanção apenas após provimento judicial que venha reconhecer o trabalhador como empregado. Na prática, todo e qualquer empregador poderá trocar os empregados por autônomos e ter o direito de não sofrer qualquer ação administrativa do Estado brasileiro. Assim, não haverá como exigir férias, FGTS, 13º salário, normas de segurança e saúde, pagamento das horas-extras, aposentadoria, licença-maternidade, entre outros”. A nota também denuncia que a emenda fere as convenções firmadas com a Organização Internacional do Trabalho e viola o princípio da separação entre os poderes.


 


Veto do presidente Lula


 


A aprovação da emenda número 3 na Câmara Federal gerou imediata e dura reação das centrais sindicais e de deputados de esquerda. Um abaixo-assinado com 62 nomes, pedindo a anulação da medida, foi entregue ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que se comprometeu a solicitar seu veto. Ele reconheceu que “a emenda é um retrocesso nas relações entre o capital e o trabalho” e garantiu: “Não permitiremos que seja sancionada e vamos recomendar o veto do presidente”.


 


Conforme relato da deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que participou da audiência, a votação da emenda foi precedida de intensa pressão dos lobbies patronais. “Houve grande mobilização deste setor na defesa desta medida de precarização”. Durante a audiência também foi denunciado o seu impacto junto aos trabalhadores rurais ao emperrar a fiscalização nos casos de trabalho escravo. Em geral, quando os fiscais encontram trabalhadores em situação irregular, o fazendeiro alega manter relações com intermediários, os gatos, para fugir de suas responsabilidades trabalhistas.  


 


O juiz federal Marcus Orione, chefe do Departamento de Direito do Trabalho da USP, reforça este temor. Para ele, a emenda “quebra um pilar da atual política de combate ao trabalho escravo, já que o fiscal não poderá tomar qualquer medida imediata contra a ausência de relações de emprego”. No mesmo rumo, Nicolao Dino, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, prevê que “haverá reflexos negativos em várias áreas onde a fiscalização se mostra vital, como, por exemplo, no combate ao trabalho escravo”.



  
Correlação de forças no parlamento


 


O episódio desta votação também trouxe importantes ensinamentos políticos, como constatou o jornalista Nelson Breve, da Agência Carta Maior. “Entendida pelas centrais sindicais como um divisor de águas entre os defensores do trabalho e os defensores do capital, a votação da emenda que retira dos fiscais a autoridade para reconhecer se uma determinada contratação pode ou não ser feita sem carteira assinada, esboçou um panorama mais concreto da correlação de forças no parlamento neste início do segundo mandato do presidente Lula”.


 


Conforme seu levantamento, 450 dos 513 deputados participaram desta votação: 245 de blocão governista (PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB); 61 do bloco “governista” de esquerda (PSB/PDT/PCdoB/PMN/PAN); 129 do bloco de oposição (PSDB/PFL/PPS); e 15 dos partidos que não se alinharam a nenhum bloco (PV/PSOL/PHS/PRB). A sua primeira conclusão é que “a base do governo tem mais de dois terços dos votos. No entanto, ficou dividida nessa matéria”.


 


O líder do blocão, que é do PMDB, recomendou o voto favorável à emenda da precarização; já o PT abriu dissidência interna ao indicar sua rejeição. “Dos 245 integrantes do blocão que votaram, 150 ficaram do lado do capital (61%) e 95 do lado do trabalho (39%)”. Já no bloco de esquerda, 40 votam com os trabalhadores (66%) e 21, contra (34%). Juntando toda a base, que somou 307 votos, 172 (56%) votaram contra as centrais sindicais e 135 (44%) a favor. A sua conclusão é peremptória: “A maioria da base do governo está do lado do patronato e a minoria do lado dos trabalhadores. Portanto, o governo Lula não pode ser um governo de esquerda”.


 


Esquerda é minoria e está dividida


 


Já no bloco da oposição, o PSDB e o PFL encaminharam o voto a favor da precarização e o PPS liberou a bancada. Dos 129 integrantes destes três partidos, 124 (96%) votaram com os patrões e apenas cinco (4%) com os trabalhadores – o que revela seu nítido caráter de classe. “A oposição é quase unânime no apoio à flexibilização do trabalho. Portanto, ela está no campo da direita”.


 


Após constatar que o PT “está no bloco errado”, o autor também critica o bloco de esquerda. “Os 10 votos do PCdoB acompanharam o lado trabalhista. No PSB, seis dos 22 votantes ficaram com os patrões, inclusive seu líder, Marcio França. No PDT, 12 deputados liderados por Paulinho da Força ficaram do lado dos trabalhadores e oito com os patrões, inclusive o líder, Miro Teixeira”.


 


Já no bloco dos “não-alinhados”, os dois votos do PSOL foram favoráveis aos trabalhadores, mas oito dos 11 deputados do PV apoiaram os patrões, inclusive Fernando Gabeira, que justificou seu voto afirmando que é preciso se adaptar à globalização. “Se você mantiver as posições clássicas da esquerda no mundo hoje, a tendência é você ser engolido”. Diante destes dados, o autor chega a sua sexta tese: “Nem toda a esquerda vota conforme os interesses dos trabalhadores”.


 


Sua última conclusão, bastante emblemática, é que “observando a correlação de forças retratada nesta votação, percebemos que um terço dos deputados (140) votou conforme a orientação das organizações de trabalhadores e dois terços (294) votaram contra. Conclusão: a esquerda pode contar com apenas um terço dos votos do parlamento; outros dois terços são de centro-direita”.

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