Sonda chinesa chega ao planeta vermelho, Brasil assiste do chão

A China investe e avança na nova corrida espacial, assim como outros países do BRICS. O programa espacial brasileiro, por sua vez, conta com menos recursos a cada ano.

A sonda Tianwen-1 a caminho de Marte, em 16 de dezembro de 2020 | Foto: China National Space Adminstration / via AP

Nesta quarta-feira (10), por volta das 10 horas, horário de Brasília, foi confirmada a entrada na órbita de Marte da sonda chinesa Tianwen-1. Esse feito coloca o país socialista no seleto grupo de nações e agências que investem consistentemente em uma nova corrida espacial. Enquanto isso, o programa espacial brasileiro é sistematicamente desmontado, colocando o país em uma, cada vez maior, situação de vulnerabilidade estratégica e de dependência tecnológica.

Ao alcançar com sucesso a órbita marciana, a sonda Tianwen-1 demonstra a robustez do programa espacial chinês. Na terça-feira (9), os Emirados Árabes Unidos, com a sonda Hope, também já haviam chegado ao planeta vermelho. Dessa forma, passam a compor, junto com Rússia, Índia, EUA e União Europeia, o pequeno grupo que logrou êxito em realizar tamanha façanha.

Enquanto a missão árabe, que resultou de um trabalho de seis anos, permanecerá em órbita e se concentrará em estudos atmosféricos, a sonda chinesa irá mais longe. Em maio, o módulo orbital, após estudos prévios, liberará um módulo de pouso carregado com um “rover” exploratório.

A missão dos chineses carrega uma série de instrumentos de pesquisa, dentre eles câmeras de alta resolução, detectores atmosféricos, ionosféricos e de medição de campos magnéticos, radar, sistema de espectroscopia a laser, leitores topográficos, de clima e de imagens multiespectrais – além disso, é a primeira missão equipada com um radar para penetração no solo. Feito impressionante, com grande potencial de aquisição de novas informações marcianas em áreas como geologia, hidrologia, mineralogia e biologia.

E o Brasil?

Chama a atenção o fato de que, entre os países que compõem os BRICS, apenas África do Sul e Brasil não participam dessa estratégica corrida. O programa espacial brasileiro se arrasta, com avanços e retrocessos, durante décadas.

Iniciado nos anos de 1940, por iniciativa militar, buscava a construção de foguetes, num cenário de pós Segunda Guerra Mundial, quando se identificou a necessidade de modernização das Forças Armadas. Em 1949, o Instituto Militar de Engenharia conseguiu decolar seu primeiro foguete com sucesso. Nos anos sessenta, como desdobramento de um decreto presidencial do governo Jânio Quadros, são criados o Grupo Executivo de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), localizada em Natal-RN – primeira base de lançamentos de foguetes da América Latina.

Durante a década de 1970, trabalhava-se com a perspectiva de consolidação de um programa espacial completo, que contemplasse a construção de veículos lançadores, centros de lançamento e produção de satélites. Tendo isso em perspectiva, é no início dos anos oitenta que se faz necessária a ampliação da capacidade de lançamento, o que resultou no estabelecimento da base de lançamentos de Alcântara-MA.

Ao longo dessas décadas foram estabelecidas parcerias com diversos países, como EUA, China, Alemanha e França. Entretanto, durante a década de 1990, é criada a Agência Espacial Brasileira (AEB) e é colocado em órbita o primeiro satélite exclusivamente brasileiro. Além disso, o país passa a integrar o programa da Estação Espacial Internacional. Anos depois, em 2006, em nova parceria, um astronauta brasileiro permaneceria dez dias em órbita, nesta mesma estação.

Retrocessos

Em que pese a lentidão dos avanços alcançados, até aquele momento, o país vinha consolidando uma política permanente de conquista do espaço. Entretanto, em agosto de 2003, ocorre o trágico acidente em Alcântara, por ocasião do lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Com 21 metros de altura, o veículo, que colocaria dois satélites de observação terrestre em órbita, era considerado um passo fundamental para a autonomia do programa espacial brasileiro, reduzindo a necessidade de lançamentos a partir da contratação de veículos e bases de outros países, como acontece até hoje. Além da destruição de todo o equipamento, com a explosão da torre de lançamento, o Brasil perdeu no desastre 21 profissionais civis, altamente qualificados.

Apesar da comissão de investigação ter descartado a possibilidade de sabotagem – suspeita que ainda paira sobre o ocorrido, já que as causas nunca foram plenamente esclarecidas – o que ficou evidente foram falhas nas condições de trabalho e segurança, relacionadas à escassez de pessoal, defasagem salarial e de aportes financeiros. A comoção causada, foi um duro golpe e causou a paralisação do programa espacial brasileiro.

Após a tragédia, várias mudanças e recomendações foram postuladas. Em 2012, a AEB lança a quarta edição do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), que teria validade até 2021, propondo novas diretrizes de atuação. Porém, em 2015, o Brasil sofre novo revés em seu programa espacial, quando uma falha no motor do foguete VS-40M V3 causou uma explosão na plataforma de lançamento, na mesma base de Alcântara.

A Agência Espacial Brasileira vem sofrendo recorrentes cortes em seu orçamento. Em 2014, dos R$ 300 milhões previstos, apenas R$ 260 milhões foram disponibilizados, em 2015 o orçamento foi reduzido para R$ 230 milhões. A título de comparação, a Agência Espacial da Índia (ISRO) investiu R$ 3 bilhões em seu programa espacial, no mesmo período.

Por que investir no programa espacial brasileiro?

Sempre que é trazido à tona o assunto, logo se forma uma coro de senso comum clamando “porque investir no espaço, enquanto tem tanta gente passando fome no país?”. Essa mesma ladainha foi repetida quando da realização da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas do Rio (2016) e reflete uma incapacidade de perceber a realidade de forma sistêmica.

Deixando de lado os eventos esportivos, temos o mesmo discurso em relação às universidades públicas, aos institutos de pesquisa e às áreas de humanas nas escolas. O programa espacial, além de possibilitar o lançamento independente de foguetes e de possibilitar colocar em órbita satélites científicos, de georreferenciamento, meteorológicos, de defesa, de acompanhamento de queimadas possibilita o desenvolvimento de várias cadeias industriais. O avanço na área das várias engenharias, da química, de materiais de alta resistência, de sistemas de navegação e de comunicação, do qual somos dependentes de outros países, são alguns dos exemplos a ser explicitados.

Isso tudo se traduz em fortalecimento da indústria nacional, da produção de ciência e tecnologia, na geração de empregos e na soberania nacional – o que fica evidente no vazamento de documento, pelo Wikileaks, onde se registra uma mensagem do governo estadunidense para a embaixada da Ucrânia, em Brasília, apontando seu descontentamento com o apoio dado ao programa de veículos de lançamento espacial que o Brasil vem desenvolvendo.

Mais do que nunca, ganha relevância estratégica o investimento consistente e sistemático em inovação, ciência e tecnologia. Os cortes no orçamento para pesquisa e desenvolvimento só se aprofundaram, após o golpe de Estado de 2016. Não alcançaremos o bem estar do nosso povo e a soberania da nossa nação, enquanto não formarmos uma maioria política disposta a se comprometer com essas agendas. Enquanto isso, assistimos, do chão, as conquistas espaciais dos outros países.

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