Somos todos libaneses

O Líbano, milenar país do oriente Médio, arabizado desde o século 7, vem chamando a atenção da opinião pública internacional. Muitos já consideraram esse país como dos mais desenvolvidos e prósperos de toda a região. Viveu 15 anos de uma guerra civil sang

A situação política alterou-se profundamente a partir da violenta agressão sofrida por essa nação árabe em julho quando, por 32 dias consecutivos, foi atacada por terra e ar, pelo exército e aviação israelense. Essa agressão vitimou quatro mil libaneses, que resistiram de armas em punho. A sociedade se mobilizou, cavou trincheiras, disparou foguetes contra as forças de defesa de Israel – FDI. Registramos que toda essa agressão ocorreu com o claro e nítido aval do presidente dos Estados Unidos que deu a autorização e concedeu um prazo de trinta dias para Israel “fazer o serviço sujo”.


 


A derrota israelense foi fragorosa. Nem só não conseguiram recuperar o soldado israelense seqüestrado, nem conseguiram ocupar um só milímetro de território libanês na região Sul do país. O povo do Líbano festejou essa vitória, apesar das mortes, nas ruas com milhões marchando em comemorações e demonstrações públicas que chegaram a envolver dois milhões de pessoas, quase metade da população do país.


 


Somos todos Hezbolláh


 


Em meio a esse conflito que vai crescendo, uma organização política, popular e religiosa se destacou. Trata-se do Partido de Deus (em árabe Huzb Allá, mas falamos no Ocidente Hezbolláh). Anunciado na mídia sempre seguida da palavra “radical”, considerado uma organização teleguiada pelo Irã, seus membros são majoritariamente xiitas. Seu líder é o xeque Hassan Nasrallah, ainda jovem para os padrões orientais (em torno de 45 anos), começou cedo a sua militância e luta pela causa palestina e contra Israel. Esse clérigo, dos mais lúcidos do país, vem incendiando as multidões do Líbano. E não só as pessoas que se consideram xiitas. Ele fala a língua das massas, qual seja, pede a imediata destituição do governo do primeiro Ministro Fouad Siniora, pró-americano e contra a Síria.


 


O Hezbolláh é um partido político, mas é também uma organização revolucionária e social. Seus militantes empunham armas, controlam parte do território com suas milícias, sempre na defesa da região do Sul do Líbano, cuja faixa de cerca de 30 quilômetros, ainda é ocupada militarmente por Israel. Os israelenses chamam essa faixa de “zona de segurança”. A popularidade do Hezbolláh cresceu exponencialmente com a resistência à agressão israelense de julho e todos se uniram, sob a liderança dos guerrilheiros dessa organização, para combater Israel e seus soldados.


 


Em uma de minhas colunas à época, eu pretendia dar o título “Somos todos Hezbolláh”, que faço agora ainda como subtítulo. Não que eu tenha afinidade religiosa com os muçulmanos, ao qual respeito como uma das religiões mais importantes da humanidade. A minha identidade hoje com esse Partido tem um sentido de que a sua luta e a sua causa é a causa de todos os patriotas, democratas, comunistas, defensores da liberdade em todos os cantos do planeta. De todos os que tem “fome de justiça” e não aceitam violações das liberdades e agressões de qualquer natureza contra os povos oprimidos, como vem fazendo a maior potência militar e econômica do planeta, os EUA.


 


O Hezbolláh soube ser amplo em sua luta contra a agressão. Não contou somente com os seus militantes e quadros. Nem poderia, pois não conseguiria vencer os soldados do quarto maior e mais bem treinado exército da terra, que é o de Israel. Ele soube agregar forças, lideranças, correntes políticas. Para isso, fez aliança fundamental com parte dos cristãos, sob a liderança do ex-general Michel Aoun, que foi anti-Síria muitos anos e hoje é um grande aliado desse país (para vermos como a política da muitas voltas, é dialética). Aliou-se ainda com o grupo islâmico denominado Amal, do deputado Nabi Berry, atual presidente do parlamento libanês. E, principalmente, fez aliança com os comunistas membros do Partido Comunista Libanês, que cerrou fileiras com as forças da resistência.


 


Tenho lido textos, artigos e entrevistas desse clérigo (especialmente em espanhol) e entendo que ele é extremamente lúcido e consciente. Em momento nenhum o vejo como um “pau mandado” nem da síria nem do Irã, como a mídia pró-americana o mostra. Ao contrário, tem exatamente a sua independência. Tanto que no Líbano os militantes xiitas empunham armas contra Israel e contra um governo pró-americano e anti-Síria e no vizinho Iraque, os mesmos xiitas aceitaram a ocupação americana do país e mais do que isso, fizeram acordos, para constituírem governos títeres de Washington.


 


Em recente evento de caráter internacional do Líbano, da qual nosso PCdoB esteve presente através do camarada responsável pela Secretaria de Relações Internacionais, José Reinaldo de Carvalho, centenas de organizações revolucionárias, comunistas e não-comunistas de todo o mundo, somaram suas vozes para se solidarizar com esse partido libanês, patriótico e revolucionário. Manifestamos claramente o nosso apoio.


 


Assim hoje é que eu justifico esse subtítulo. Somos mesmo todos Hezbolláh. E aponto a manifestação do último domingo para comprovar esta tese. Esse partido vem liderando um amplo movimento nacional, suprapartidário, para exigir que o governo anti-Síria e pró-americano renuncie. O presidente cristão Emile Lahoud apóia essa luta. Os ministros do Hezbolláh, do Amal e do general Aoun, já renunciaram. Sobraram os direitistas, que ainda detém dois terços do gabinete. Não entendem que o país mudou, que a correlação de forças se alterou profundamente (não são dialéticos, claro). Pois bem, diariamente a oposição pela renúncia do gabinete vem realizando demonstrações de forças na capital Beirute. Mas a de domingo, superou a todas as expectativas. A imprensa internacional, mesmo com todo o seu facciosismo, teve que noticiar dois milhões de libaneses presentes! Isso é metade do país. Seria algo como reunirmos 90 milhões de brasileiros em Brasília. Foi a maior demonstração de forças da oposição. É o clamor das ruas. No entanto, o governo fez que não ouviu e não viu.


 


Os ânimos vão se acirrando. Mortes começam a surgir. Mas, insisto, isso não é e não será um conflito entre facções religiosas, mas sim entre grupos políticos, com diferentes opiniões e avaliações sobre a situação do país.


 


Um episódio pitoresco


 


Esta semana, por força de minha militância em prol da causa do ensino de Sociologia para a nossa juventude em todas as escolas de ensino médio do país, visitei um sindicato para debater o assunto (omito propositalmente detalhes). Revi muitos amigos e camaradas. Dois deles em particular, com sobrenomes árabes. Eu os cobrei uma militância maior em prol desse povo, que é o nosso povo e da sua luta, que é a luta dos que lutam por igualdade e justiça em todo o mundo.


 


No entanto, um tem origem síria e outro libanesa. E percebi, mesmo que em tom de brincadeira, certas diferenças entre eles, ainda que tudo dentro da cordialidade tradicional brasileira. Dei minha opinião de pronto. Pedi ao camarada “libanês” que revisse a sua opinião, pois a Síria não era, nunca foi e não será inimiga dos libaneses. Ao contrário. Marcou presença no país, a pedido do governo libanês exatamente para preservar o país da ocupação pelos americanos, coisa que agora praticamente se consuma com esse governo atual.


 


Deixei claro que a Síria e Líbano são países irmãos de povos irmãos há milhares de anos e convivem com harmonia, só quebrada por interesses externos e imperialistas. Por isso, patriotas e revolucionários de todo o mundo, descendentes ou não de árabes, devem somar forças com o Hezbolláh, que não é pró-Síria, mas sim pró-povo libanês, anti-americano. Por isso, não tenho dúvidas neste momento: Somos todos Hezbolláh.


 

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