Saudades da Terra (1)

 Conflito, colonialismo e devastação na Amazônia

As saudades que aqui se tratam e que às vezes se curam.

Eu pergunto a mim mesmo, cá na beira da história, mergulhado em recordações minhas e dos outros como um índio arrancado do mato para as incertezas e perigos do mundo civilizado. O que dizer quando tudo já foi dito diversas vezes? Que fazer quando parece que tudo já foi feito? Qual caminho tomar quando a estrada acaba num abismo? Que fazer quando o mundo deu muitas voltas e tudo para nada? Que estória inventar depois que o espetacular “fim da História” não tem mais enredo?

Aqui no fim do mundo a gente diz que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Como toda regra tem exceção, de vez enquanto aparece um desajuizado disposto a desafiar os mandões de plantão prepostos de senhores superiores e mudar a desordem das coisas. Em geral a história se repete e termina mal a falseta para os malucos, entretanto alguma coisinha vai mudando aos poucos. Prova de que, quando há coração valente, vale a pena pagar para ver no que vai dar. Também dizemos nós, os cabocos; que quem pensa não faz filho… Um saber popular sensato. Pois, como são numerosos filhos de mães solteiras e considerável o caso de paternidade atribuída ao boto sedutor de cabocas ingênuas, conclui-se por aí que a maioria de tais nascimentos é, deverás, mal pensada… Advirta-se entretanto que o axioma do fim do mundo está longe de desanimar a multiplicação da espécie nas baixas latitudes da Terra: na verdade, é um estímulo como eco longínquo do mandamento do velho Jeová às tribos do deserto, “crescei e multiplicai-vos”… Metam a cara e não temam pelo dia de amanhã, esta gente! Tem lógica no “espaço vazio” onde epidemias, fadigas de viagens descomunais, escravaria, guerras e genocídios devastaram rarefeitas populações ao longo de três séculos.

De fato, com a triste história dos lesados da terra que temos (noves fora uma rica camadinha de donos de podres poderes, porém pobres de espírito e imaginação criadora) faz pena chamar à vida ribeirinha mais meninos e meninas para os fazer passar mal e apanhar da sorte que nem animal de carga. Contudo a gente luta para fazer deste um mundo melhor. Não é verdade que terminou a obra humana dos descobrimentos (toda viagem, filosófica ou não, é um discurso antropoético e uma aventura da linguagem contra o projeto e construção da torre de Babel): a grande ópera da arca de Noé está sempre para começar, feita e refeita de diversas formas… Não existe caminho único e reto nesta vida nossa aparecida do espaço curvo, mas vários e tortuosos caminhos à deriva. Complexidade é o nome deste nosso mundo sem fundo que (na verdade) não é nosso nem de ninguém, mundo desintegrado (ainda assim em conexões inesperadas) de caminhos terrestres, marítimos, aéreos, virtuais…: uns levam ao jardim do éden reconquistado do Mito dos mitos (o “coração” do homem: fundo do mar-oceano encantado ou caixa preta de Pandora) e outros aos quintos dos infernos extraídos do paraíso perdido.

Estamos ansiosos demais a querer crescer mais e mais para os céus até nos esborrachar ao chão no primeiro tremor de terra… Avançar sempre mais sem nos dar conta de quem, na verdade, somos e aonde chegamos ou donde viemos como navegantes sonâmbulos. No caso destas saudades nossas e de outros, o famigerado rio das “amazonas”… Magna Grécia transplantada ao neotrópico pelos turcos encantados. Assim, na “última fronteira da Terra”, “pulmão do planeta” e outras lendas modernas abreviamos o estado criativo do Homem para apressar a inexorável marcha da morte: as horas ferem os viventes e a derradeira delas todas mata sem dó… Porque nos apegamos tanto a vida, esta termina por se assemelhar a morte: talvez, se nós respeitássemos e venerássemos mais os mortos da nossa felicidade ou infelicidade nossa vida, no campo ou na cidade, valesse mais a pena.

Pelo menos, neste ponto, os “índios” do Xingu praticantes do rito do Kuarup ainda têm algo a ensinar a seus catequistas afincados tenazmente a lhes inculcar a ideia da morte ritual de Cristo; quando os “selvagens” se esmeram em exaltar o mito da ressurreição. Nós que ainda não conseguimos compreender todo horror da guerra mundial na triste memória da hecatombe nuclear de Nagazaki e Hiroxima, nem toda extensão do Holocausto; fechamos os olhos do espírito ao ovo da serpente posto no nicho seminal da guerra metafísica de todas ortodoxias religiosas, mãe de todas as guerras frias ou tórridas como chuva de fósforo, da simples querela entre pajés até as mais altas assombrações imperiais urdidas às caladas da grande noite em laboratórios secretos pela loucura de serviços ditos de “inteligência'…

Instrumentações malévolas de transtornos mentais coletivos, um pouco por toda parte da mesma casa, digo da Terra.


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