Salto alto e memória curta do PT

Num artigo polêmico e corajoso, intitulado “salto alto e memória curta”, Valter Pomar, dirigente nacional do PT, alertou recentemente para os riscos do seu partido, entusiasmado com o súbito favoritismo de Lula nas pesquisas eleitor

A prova desta soberba se encontraria nas especulações, divulgadas pela imprensa, “segundo as quais nossos planos para um segundo mandato incluiriam um acordo político com setores do PSDB. Elas são baseadas em fontes reservadas e repercutem declarações atribuídas ao ministro Tarso Genro”.

Preocupado e ciente das disputas no interior do seu partido, ele adverte: “Sinalizar para um ‘acordo’ com estes inimigos, após a desejada, mas ainda não realizada vitória, seria uma benevolência sem cabimento ou uma daquelas aparentes espertezas que, ao fim e ao cabo, voltam-se contra seus autores… A postura de tratar o PSDB como ‘primo’, hegemônica durante anos no PT de São Paulo, enfraqueceu a oposição petista ao PSDB no maior estado do país. Postura semelhante está na raiz das dificuldades enfrentadas pela campanha do PT em Minas Gerais. Nossa atitude deve ser a de fortalecer as candidaturas de Aloizio Mercadante e de Nilmário Miranda, nunca a de emitir sinais confusos a esse respeito”.

Para ele, tais sinalizações não refletiriam apenas um erro tático. “Falar de acordo de governabilidade com o PSDB é um erro estratégico, que demonstra que aprendemos muito pouco ou quase nada com a crise de 2005”. A busca da vitória eleitoral e da governabilidade num segundo mandato deveria, na ótica de Valter Pomar, assentar-se “numa cooperação política permanente entre os partidos de esquerda e os movimentos sociais” e também deveria buscar a “vitória das candidaturas petistas e dos nossos aliados de esquerda nas eleições para governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados e assembléias legislativas".

Ao final, ele insiste que “precisamos construir, no Brasil, uma hegemonia de caráter popular, na qual o pensamento conservador, os paradigmas neoliberais, as forças políticas e classes sociais cujos interesses são encarnados pelo PSDB e PFL não podem ter lugar, pois estão em permanente oposição aos interesses da maioria do povo brasileiro. PSDB e PFL precisam ser derrotados. Estes dois partidos atuaram, durante todo o governo Lula, não como meros adversários, mas como inimigos viscerais do PT e do presidente Lula. Demonstraram, à exaustão, que o seu propósito não é apenas nos derrotar, é nos destruir”.

Desprezo aos aliados

O risco do “salto alto”, porém, não se limita apenas ao triste retorno da figura do “lulinha paz e amor” e às sinalizações de acordo com a oposição liberal-conservadora. Também se reflete na recente recaída no PT nas suas relações com os aliados históricos, como o PSB e o PCdoB, e na ausência de uma política mais ostensiva de exploração das contradições e de atração do centro político, que poderá ser o fiel da balança na acirrada disputa sucessória. Além de dificultar a vitória eleitoral, esta postura menospreza a necessidade de alianças para garantir uma governabilidade mais segura num possível segundo mandato.

Em certo sentido, o retorno ao exclusivismo petista, uma doença que parece genética, tem relação com o próprio calvário deste partido nos últimos meses. Após padecer no inferno, em decorrência da grave crise política que afetou o governo desde maio do ano passado, o PT tenta agora a sua ressurreição. Após cair no desespero, acuando pelas denúncias, agora resvala na euforia, dando como líquida e certa a reeleição de Lula. Daí sua subestimação do papel desempenhado pelos partidos aliados e pelos movimentos sociais, que não fugiram da briga e foram decisivos para conter a maré golpista da direita. O partido se volta para dentro, preocupado apenas com seus interesses eleitorais e mesmo com suas eternas disputas internas.   

Essa orientação hegemonista já apresenta resultados preocupantes. Apesar das insinuações de Lula, que várias vezes manifestou seu interesse em coesionar o núcleo de esquerda do governo e de atrair o PMDB, ambos os objetivos correm risco. O PSB já anunciou que não formalizará a coligação, em decorrência dos entraves nas negociações estaduais. Segundo levantamento parcial, em 13 estados este partido estará em palanques opostos ao do PT. Já o PCdoB reivindica “reciprocidade” em quatro eleições majoritárias – Distrito Federal, Tocantins, Ceará e Rio de Janeiro –, mas ainda esbarra em intransigências. Quanto ao PMDB, decisivo para vitória eleitoral e para governabilidade, há resistências petistas em vários estados.

O fim da primeira fase da batalha eleitoral, com a realização das convenções partidárias, poderá resultar numa reduzida aliança em torno da campanha pela reeleição de Lula. Essa fragilidade será debitada na conta das concepções exclusivistas. Conforme constata um observador isento das paixões partidárias, o jornalista Nelson Breve, o crescente favoritismo de Lula ocasionou um crescente desprezo pelos aliados. “Até com aliados mais antigos o tratamento é cruel. Tanto os dirigentes do PSB, quanto o comitê central do PCdoB, se desorientam no jogo de alternância entre os afagos do presidente e a insensibilidade da direção do PT nas negociações para formação dos palanques estaduais”.

Astuto observador, o jornalista alerta: “Se a disputa engrossar na campanha, o empenho da militância dos aliados históricos fará falta, pois os outros apoiadores não terão constrangimento algum em se lançar ao mar e embarcar no navio da oposição. As mesmas pesquisas que apontam o favoritismo de Lula mostram que o eleitorado ainda está volátil. Essa volatilidade mostra que não dá para enfrentar a campanha de salto alto… É bom que o comando da campanha mantenha o estado de alerta a bordo, pois, além da agitação do mar provocada pela tempestade de acusações, sempre haverá o risco de um assalto pirata afundar o navio. A oposição está disposta a lançar mão de tudo que for possível para voltar ao poder”.

A bem da verdade, a campanha eleitoral ainda nem bem começou. Ela só adquire dimensão mais nítida com os programas gratuitos de rádio e televisão. Já é sabido que boa parte do grande empresariado está unido em torno da campanha do direitista Geraldo Alckmin e de sua plataforma ultraliberal, conforme constatou recente pesquisa da revista patronal Exame; também é visível o pacto da maior parte da mídia hegemônica na demonização das forças populares que hoje ocupam o Palácio do Planalto. Nesse sentido, qualquer subestimação do inimigo pode ser fatal. A disputa será das mais pesadas e sujas. O favoritismo expresso nas pesquisas é momentâneo e não justifica qualquer postura de “salto alto ou memória curta”.

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