República dos liberais

Ainda refletindo sobre a democracia, participação e cultura, o sexto texto desta série traz as luzes, a transição de regimes totalitários, sem leis, para regimes com leis, monárquico (poder unitário) ou policrático (poder distribuído).

A tradição Republicana Moderna desenvolveu-se através dos pressupostos da existência dos valores relacionados a soberania popular e o contrato social, não apenas no sentido de serem dotadas de valores “democráticos”, mas no sentido de serem as Repúblicas (democráticas ou não) formas de governo que se opõem ao despotismo. O avanço dos regimes republicanos não significa a priori que esses sejam democráticos, podendo ser considerados novas expressões mais elaboradas de dominação por parte daqueles que governam os Estados.

Essa forma de Estado, antes de ser realizada, foi pensada e defendida pelos articulistas do chamado “século das luzes” ou simplesmente “Iluminismo”, considerado um movimento europeu que teve seu apogeu na segunda metade do século 18.

Os pensadores críticos, inspirados na filosofia, literatura, ciências, teoria política e doutrina jurídica, buscavam o esclarecimento, com base na racionalidade, tendo a noção de que o progresso estava em oposição ao misticismo (crenças irracionais, superstições e submissão a autoridade de reis e igreja).

Defensores do Estado laico e do pensamento secular, o iluminismo volta-se contra toda autoridade que não seja baseada na razão e experiência, portanto, nas palavras de Kant, a busca pela emancipação, visando a “maioridade” dos indivíduos. A filosofia crítica em que se baseia o iluminismo tem como características a liberdade, individualismo e a igualdade jurídica. (MARCONDES, Danilo. Introdução à historia da filosofia, 1997).

Com o tempo das luzes, ocorre o avanço do racionalismo (DESCARTES) e o tempo se torna o da máquina. O poder do império inglês, exercido em todos os continentes, teve enorme ampliação por ter sido a primeira nação a passar pela revolução industrial. A competitividade (mercantil, militar, política e cultural) destas nações industriais e imperiais exigiu o fortalecimento dos Estados Nacionais, a unificação de nações, exércitos, reinados, mudando brutalmente o mapa geopolítico da Europa e do mundo nos séculos 18, 19 e 20.

Posteriormente com o positivismo (CONTE), a teoria das espécies, o sentido de evolução e competitividade, tanto biológica (DARWIN), como social, e econômica (SMITH), geram o discurso das quais pensadores e políticos se apropriam para defender a suposta superioridade Europeia com relação ao restante do mundo. Este pensamento cristalizaria relações polares, de mundo entre periféricos e centrais, defendidas em supostas superioridades do velho mundo, que são até hoje as responsáveis pela maioria dos conflitos globais – um pensamento ultrapassado que ainda pode ser observado nos comentários xenófobos da atualidade nas redes sociais.

Os Estados atuais, comprovadamente ineficientes, injustos, violentos e que levam a humanidade à beira de um colapso ambiental e crise de relações humanas, foram forjados dentro do espírito de uma época, em que o Iluminismo e o Positivismo naturalista fundamentaram suas bases em direitos naturais tidos equivocadamente por divinos, dados por Deus apenas aos esclarecidos cidadãos de bem.

Os discursos construídos por essa sociedade são de igualdade, mas apenas entre os iguais, valores equivocados de superioridade racial, fé cega na ciência, na economia, gerando a competitividade darwinista e a acentuação do individualismo.

O direito naturalista (do qual a burguesia se revestiu tal qual a monarquia) se ergue com base na crença em valores elitistas, egoístas e na autonomia da vida privada, formando uma dicotomia aparente com a coexistência de um contrato social que legitima as decisões coletivas as quais submentem a todos pelo poder do Estado.

A suposta contradição ocorre da interpretação de que todos se submetem e que todos cumprem, tem direitos e são julgados de forma igualitária, quando, na realidade, esta delegação aos governos, dada para o exercício da força, seria consentida apenas por alguns cidadãos – aqueles que, se colocando na subserviência do poder do Estado, se impõem contra os demais.

Seriam submetidos às regras constituídas pelas elites do Estado (Bourdieu), todos os demais que sejam considerados “diferentes”, seja por etnicidade, classe, gênero, religião, condição física, idade, “normalidade” clínica ou genética, ou por serem desvalidos, desconhecedores, “depravados”, “corrompidos”, não morigerados, radicais, opositores de regimes, e até mesmo por estarem no lugar ou na hora errada, enfim, qualquer um que não seja considerado “normal” pelos que detém ($) poder “dado” por condição divina, natural, ainda que não religiosa.

Portanto, as oligarquias, ao delegarem o poder a um grupo, submetem-se a si mesmos, mas não seriam submetidos à coletividade. Na realidade, tomam o poder do Estado das mãos dos reis e da religião contra todos os demais, em especial, em oposição das massas.

Ao combaterem o poder de um único monarca, conquistaram com a revolução burguesa a ampliação de direitos, e nova condição de classe, que forçou um acordo entre as antigas monarquias e as novas burguesias industriais. Ao aprisionarem Reis aos Estados constitucionais, e logo, transformando-as em Repúblicas, as oligarquias passaram a comandar as massas, sem que houvesse mudança na essência do poder.

Não obstante, nos tempos iluminados, quando no papel afirmavam estarem forjando democracias em seus territórios, enquanto a nova classe emergente oprimia as massas, defendiam a liberdade no mundo, oprimindo as demais nações. Esta é a liberdade iluminada dos liberais.

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