Quem está brincando de WAR com a extrema direita?

Trata-se de um combate eleitoral que traz a necessidade de ser ao mesmo tempo um combate civilizatorio

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

À medida que o processo eleitoral deste ano vai se aproximando da sua reta final, testemunhamos ainda mais fenômenos politicos que nos desafiam. Como um presidente tão terrível consegue ter 30% de apoio eleitoral e ter uma forte base de sustentação social e política?

Para além das análises conjunturais que dão conta de comprovar que estamos diante de um governo federal genocida, miliciano, contra a educação, a cultura, o meio ambiente, a ciência, um governo corrupto, inepto, golpista e portanto antidemocrático, precisamos compreender mais a fundo este fenômeno. Não pode ser só azar da nossa gente, “culpa do PT”, ou culpa do golpe do impeachmant e da Globo, culpa da Lava Jato, da Jovem Pan, etc. Isso faz parte, talvez. Mas não pode ser só isso.

Uma hipótese bastante verossímil é que este quadro conjuntural aconteça dentro de uma situação mais estrutural, que ao mesmo tempo não só explica, como potencializa os nossos desafios. A Era Digital que estamos vivendo pode ter trazido à superfície um Sapiens que estava aprisionado dentro de um mínimo ético construído em séculos de esforço civilizatório, desde a Grécia Antiga ao menos, antes de Cristo, pra ficarmos só no ocidente.

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Aquele sujeito coletivo de consciência medieval enrustida, que estava restrito a confessionários ou círculos fechados e clandestinos, reprimido pela supremacia do bom senso tão bem esculpido nos ideais da Revolução Francesa,  encontrou nas redes sociais digitais um leito comum que deu vazão à sua desumanidade represada. Se encontrou consigo mesmo no anonimato das redes, se identificou, criou suas bolhas, perdeu a vergonha, criou coragem e saiu pro mundo analógico, e está aqui, agora, encarnado no meu tio, nos seus pais, na mãe do amigo, num agora ex-amigo. Mas não só. Está organizado politicamente e com grandes espaços de poder na sociedade. É perigoso, intolerante, violento e disposto pra briga.

Não se pode compreender os 30% de apoio inabalável a Bolsonaro sem colocar este fator na equação. E isso serve para Trump, Le Pen, e outros pelo mundo, em maior ou menor medida. O fenômeno está solto e vem jogando luz sobre Hobbes, e sombra sobre Russeau, daí falarmos de Sapiens e não do brasileiro em si. O buraco é bem mais embaixo, lá no pré-sal.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

No fundo, é disto que estamos tratando nestas eleições. Trata-se de um combate eleitoral que traz a necessidade de ser ao mesmo tempo um combate civilizatorio. Isso não é retórica eleitoral e nem exagero algum. Recompor um campo de poder minimamente civilizado tomando conta do Estado é a batalha imediata, mas existe uma batalha cultural que precisa se dar no ambiente político institucional subnacional, nos municípios e Estados, e também na sociedade civil, numa luta de ideias pela volta da supremacia do bom senso. Precisamos recuperar a intolerância social contra o que há pouco tempo era inadmissível. Afrontar a ciência, por exemplo, como fizeram no pico da pandemia, deve voltar a ser coisa sem um mínimo de audiência e caso para a justiça criminal.

Neste quadro político, é absolutamente temerária certas posições de figuras do campo progressista que não tratam esta eleição e este momento político como gravíssimo e que exige desprendimento de lógicas de curto prazo ou com recortes políticos meramente locais. A estes, sobram três escaninhos: ignorância e subestimação da gravidade da situação; oportunismo eleitoral e desapego à democracia e à República; concordância consciente com a barbárie instalada e crescente.

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É o que ocorre em Pernambuco, onde o bolsonarismo encontrou uma condição para tentar derrotar a frente política que há décadas responde pelo campo democrático e progressista no Estado, a frente que apoia política e ideologicamente Lula. A frente e a chapa majoritária que foi construída por Lula e que, portanto, responde à montagem de um tabuleiro nacionalmente articulado, alinhado, como deve ser nesta conjuntura eleitoral única e quase desesperadora. Lula e Alckmim, juntos, representam o esforço e amplitude que respondem à gravidade do momento, esforço que deveria ser respeitado nos Estados.

É indisfarçável que existem quatro candidaturas em Pernambuco com níveis de competitividade razoável e que cercaram a candidatura da frente civilizatória local de forma consciente, articulada e bem conversada, como num jogo de WAR, o mesmo jogo que a candidata Marília Arraes, do Partido Solidariedade, presenteou publicamente o então prefeito de Jaboatão, hoje também candidato ao governo, Anderson Ferreira, do Partido Liberal, o mesmo de Bolsonaro. Era 2020 e a então deputada petista, derrotada nas eleições municipais do Recife, fez uma jura em suas redes sociais: “na próxima a gente derruba”. 

A estratégia dos discursos dessas candidaturas articuladas até aqui tem um denominador comum: esquecer o bolsonarismo como fenômeno social e político de extrema direita que precisa ser derrotado política e ideologicamente aqui no Estado. A partir daí, há uma divisão de tarefas, com um candidato sendo claramente bolsonarista, outra fazendo o “L” de Lula, outra criticando a polarização e tentando emancipar Pernambuco da realidade brasileira, e outro fechando parte do Sertão pra evitar o crescimento do candidato de Lula na região. É preciso ser mais que ingênuo para acreditar que tudo isto é coincidência.

O quadro é grave para o povo e não é hora pra brincar de WAR com os destinos da nossa gente. Que nosso povo perceba o que está em jogo e escolha o caminho da vida.

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