Privatizações, Gastos Públicos e o Risco Alckmin

O debate econômico esteve em certa medida relegado a segundo plano no primeiro turno das eleições presidenciais. Mas, a realização do segundo turno trouxe novamente temas candentes do aspecto econômico que certamente merece uma reflexão mais atenta.

O Plano Verão, no final do governo Sarney, já propunha um amplo programa de privatização, mas foi no governo Fernando Collor que o processo realmente deslanchou com o Plano Nacional de Desestatização (PND). Antes, na disputa presidencial de 1989, o então candidato Collor já demonstrava claramente que fim teriam empresas como a Usiminas e tantas outras. Em franca ofensiva, o neoliberalismo tinha o apoio avassalador do grande empresariado e efetivamente ressoava positivo na classe média. O argumento para o grande público no geral tinha dois vieses importantes:


 


1. As empresas estatais são ineficientes e dão prejuízo;


 


2. Com a venda o governo teria mais dinheiro para investir em setores em que o Estado realmente tem obrigação, saúde e educação. Porém, na prática o PND tinha o objetivo prioritário de diminuir a dívida pública através da aceitação de títulos públicos como moeda de privatização.


 


Além disso, deve-se mencionar o objetivo ideológico mais amplo de ataque frontal ao Estado-Nação.


 


De fato, o processo sofreu um breve revés com o impeachment de Collor em 1992. Assim mesmo, durante o governo Collor e Itamar (1990-1994) foram privatizadas 33 empresas principalmente nos setores de siderurgia, petroquímica e fertilizante com uma receita total de US$ de 8,6 bilhões (1).


 


 
Todavia, foi no primeiro governo Fernando Henrique (FHC), com a criação do Conselho Nacional de Desestatização (CND),  que a venda das estatais retornou com força total. Embora não tivesse anunciado especificamente no processo eleitoral quais empresas seriam alienadas do patrimônio público, sabia-se claramente que o programa de privatização seria retomado. É sintomático o primeiro discurso de FHC depois de eleito quando disse que aquele momento representava o “fim da era Vargas”. Além disso, por emenda constitucional, colocou-se um fim nos monopólios estatais do petróleo e das telecomunicações. Soma-se a isso a mudança no tratamento do capital estrangeiro com a alteração no conceito de empresas nacional quando empresas estrangeiras passaram a dispor do mesmo tratamento que as empresas brasileiras.


 



Desde 1991 até 2002 foram 68 empresas privatizadas na esfera federal


 


com critérios estranhos e com pouquíssima transparência naquele que provavelmente foi o processo de privatização mais radical do Ocidente, se levarmos em conta a sua velocidade (2). È importante destacar também que o discurso de que o dinheiro arrecadado com a venda das empresas seria investido em áreas sociais praticamente já não era mais utilizado no governo FHC. Naquele momento a receita destinava-se, sem meias verdades, a atrair capital estrangeiro com vistas a financiar o desequilíbrio externo e fiscal provocados pela política econômica (3). Não é de se estranhar, portanto, que estão na justiça mais de 230 processos que pedem a revisão de critérios adotados pelo governo na venda de apenas três empresas, a Vale do Rio Doce, a Telebrás e o Banespa. Com mais de cem ações no judiciário, a Vale é a campeã de processos! (4)


 



O programa de privatização foi interrompido com a vitória do PT nas eleições de 2002


 


Embora não tenha revertido nenhuma das privatizações o presidente Lula mostrou-se fortemente contrário à venda da Telebrás e da Vale do Rio Doce. Por outro lado, a campanha do Geraldo Alckmin tem se esforçado em convencer que nada mais será privatizado. O curioso nesta discussão é que o processo de privatização cantado em verso e prosa durante o governo Collor e FHC como prioritário para “modernização” do Estado, atualmente é tratado como algo que tira votos. A sensação é que surge um movimento na sociedade brasileira de elevação da consciência que põe a nu o quão nefasto significou o PND para o Brasil (5).


 



Os gastos públicos foram outro tema que passou a ser recorrente nos discursos dos candidatos. O candidato tucano tem afirmado que o Brasil só cresce se baixar a carga tributária. Mais uma vez o ideário neoliberal decreta que o Estado é ineficiente, não sabe gastar e, por isso, deve se abster de praticar política fiscal ativa. A ordem é gastar o menos possível e arrecadar o menos possível principalmente dos empresários privados.


 


Com menos impostos os empresários poderiam investir mais. Mas há algumas incoerências no discurso. Com menos impostos podemos concluir apenas que os lucros deverão aumentar, mas não necessariamente haverá mais investimentos. De fato, os empresários só investirão mais se suas expectativas futuras quanto ao retorno de seus investimentos forem favoráveis. Um outro ponto que revela a incoerência quanto aos gastos públicos diz respeito às taxas de juros. Quando o banco central eleva as taxas de juros significa aumento da dívida pública por conta dos títulos públicos atrelados a taxa Selic. Diferentemente dos gastos com previdência social, educação etc, ninguém pergunta de onde sairá o dinheiro que será gasto como conseqüência do aumento dos juros.


 


Risco Alckmin?



O terrorismo eleitoral se manifestou em duas ocasiões na disputa pela presidência no Brasil. A primeira em 1989 quando se falou que caso Lula fosse vitorioso haveria seqüestro das poupanças, invasão de residências pelos pobres e etc, e no desespero dos neoliberais em 2002 quando se falava da crise com os investidores externos e o não respeito pelos contratos. Agora parte da imprensa acusa o governo Lula e os partidos aliados de utilizar as mesmas armas que seus adversários utilizaram nessas duas ocasiões. Entretanto a acusação não procede, uma vez que o que se discute, quando se afirma que no governo Alckmin haveria o retorno do processo de privatizações, são projetos de governo e diferentes concepções sobre o Estado-Nação. Ora, é uma hipótese bastante razoável a de que o ex-presidente FHC tinha, no seu segundo mandato (1999-2002), plano para privatizar outras empresas como, por exemplo, a Petrobrás (6). O problema é que a sua popularidade permaneceu sempre baixa.


 


 
Do mesmo modo, dado o histórico do candidato Alckmin e de seu partido, é plenamente factível que tais propostas retornem à ordem do dia. A imprensa noticiou como o mercado reagiu muito bem à realização do segundo turno para presidente. Qual a análise do mercado? Justamente que um novo governo tucano poderia significar a retomada do processo de privatização (7). Isto significa que o mercado está fazendo terrorismo contra a candidatura Alckmin?


 


O mesmo se aplica a questão dos gastos públicos. O próprio assessor Yoshiaki Nakano propõe um corte de R$ 60 bilhões. Alckmin tem dificuldade em responder sobre quais são os setores da máquina pública que sofrerão os cortes e como será feito o “choque de gestão”. De forma messiânica afirma que acabará com a corrupção e, assim, aumentará a arrecadação do governo. Sua memória seletiva não permite explicar porque impediu que se instalasse 69 CPI´s no seu governo em São Paulo. Também neste caso é plenamente factível supor que o programa “bolsa família” terá sua continuidade ameaçada. Não que se colocasse um fim de uma só vez. Porém, convicto da necessidade de cortar gastos, Alckmin poderia sorrateiramente inviabilizar o programa com cortes programados. Nesse sentido há sim um risco Alckmin para todos aqueles que acreditam num desenvolvimento econômico com distribuição de renda.


 


Notas



(1) Cf. CASTRO, Lavínia Barros (2005). “Privatização, abertura e desindexação: a primeira metade dos anos 90”. In: GIAMBIAGI, Fabio et al (org). Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Campus.


(2) O sítio do BNDES (www.bndes.gov.br) traz com detalhe o histórico das privatizações no Brasil.


(3) A política econômica do período FHC redundou em enorme desequilíbrio externo e fiscal. A receita com a privatização tinha o intuito de em parte financiar esse desequilíbrio. Para se ter uma idéia do que é austeridade fiscal para o governo do PSDB basta lembrar que em oito anos na presidência do Brasil a relação dívida pública/PIB aumentou em todos os anos, era de 21,5% em 1994 e passou para 41,2% em 2002. Isso mesmo com a receita acumulada de US$ 100 bilhões pela venda das estatais e um aumento da carga tributária de 27,9% do PIB para quase 36%!


(4) Cf. BASILE, Juliano (2006). “Uma década depois, justiça tem mais de 230 processos contra privatizações”. Valor Econômico, 23 de outubro, a6.


(5) O livro “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado” do Aloísio Biondi é magistral na análise de todo o processo.


(6) Cogitou-se, inclusive, a mudança de nome para Petrobrax com o argumento de ser este um nome mais “agradável” para os investidores internacionais.


(7) Cf. PINHEIRO, Márcia (2006). “O queridinho do mercado”. Carta Capital, nº414, out, março. Aliás, o ex-ministro das comunicações do governo FHC Luis Carlos Mendonça de Barros afirmou recentemente que “(…) a Petrobrás poderia explorar muito mais do que está explorando e não o faz porque o fato de ser estatal limita sua capacidade de endividamento”.Cf. GALHARDO, Ricardo (2006), “Mendonça de Barros: faltou coragem a Alckmin para rebater criticas do PT”. O Globo, 19 de outubro p.4.

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