Preto Zezé: Crime Organizado ou Estado Criminoso. Quem será Pior?

"Pra sociedade dos magnata tô descartado
Cadeia é pra homem sim, pobre e preto
aqui só vi dos meus, aqui só vi do gueto"
Comunidade da Rima


Os últimos acontecimentos revelam as entranhas da crise do sistema de segurança pública no Brasil, em particular o de São Paulo, onde só o sistema penal recebe 700 presos em média por mês, expondo sua insustentabilidade. O PCC é resultado do efeito colateral de um sistema que de um lado acumula capital de todas as formas nas mãos de uma minoria, cuja sua maioria é branca, e do outro lado, através de um Estado penal-polícia, tribunais e sistema judiciários, mantém a atual ordem em vigor, reprimindo, prendendo, exterminando e perpetuando o apartheid racial e social.

O único contato do poder público ou representação do Estado que chega aos pretos e pobres e em suas comunidades é a polícia. Ao mesmo tempo, os setores médios e ricos legitimam essa violência, pois também não querem uma polícia honesta e fora da lógica de manutenção do status quo. A ordem é manter pretos e pobres sob controle.
Em Fortaleza, os mesmo ingredientes estão postos à mesa: recorde em consumo de carros importados, projetos arquitetônicos que priorizam os arranha-céus em detrimento da utilidade social do espaços públicos, expulsão dos pobres para as áreas de risco, lotação no sistema prisional, impunidade e corrupção nos altos escalões do poder, mais de 700 mil famílias vivendo na miséria, grande parte oriunda do êxodo rural, mais da metade dos cearenses vivendo abaixo da linha da pobreza, militarização das polícias e aumento da segurança privada, somado a isso o alto consumo de crack.
A grande imprensa faz seu papel: vende o terror espetacular, o medo, a estigmatização das comunidades, os estereótipos que alimentam o racismo e a indústria do crime, o fortalecimento do sentimento de justiça com as próprias mãos e o endurecimento das políticas de repressão. A postura da grande imprensa nada mais visa do que vender notícias e, do ponto de vista ideológico, fortalecer um sentimento equivocado da defesa de penas mais rígidas, de mais cadeias, redução da maioridade penal e até da pena de morte.
Para nós, das Comunidades, a pena de morte não assusta, pois a pena de morte está sendo executada todos os dias. Seja na morte de jovens pela polícia, quando a imprensa trata a morte de um jovem de classe média como tragédia e a morte de centenas de jovens pobres como estatísticas; quando crianças morrem de dengue ou vendem seus corpos na Beira Mar e nas ruas de Fortaleza, espaço públicos privatizados; quando água, luz e moradia se tornam privilégios de poucos, forçando milhares de famílias a fazerem "gatos" de água, luz e ocupar terras.
Nas prisões, o quadro é o mesmo. São verdadeiros depósitos de seres humanos, maus tratos e as torturas foram institucionalizados no imaginário autoritário da polícia e tornaram-se procedimento-padrão. Então, por que a sociedade reclama da violência que hoje ela está colhendo? Os discursos políticos ecoam de todos os lados, mas todos têm em comum o tratamento da questão como caso policial e não sócio-racial, sendo que essa geração não acredita nessas instituições nem nos partidos políticos.
Quanto ao Estado de Direito, tão falado pelas vozes da Justiça, como ficam os que não têm direito a ter direitos? O que a sociedade se nega a ver e aceitar é que no campo ainda temos a sorte de ver o MST organizando os pobres, discutindo seus direitos, apesar de muitas vezes a grande imprensa acabar criminalizando as demandas sociais do próprio MST. No universo urbano, não temos a mesma sorte. Há um vácuo das forças políticas e do Estado, restando o vale-tudo pela sobrevivência, e vale tudo mesmo! O tal Estado de Direito não deu direitos a essa geração, então não pode exigir. Pelo contrário, ainda segue gerando meninos-homens bombas, sem medo da morte, armados de fuzil e ódio, porque para eles a vida é apenas um detalhe.
Depois do documentário Falcão, outro momento de constrangimento do país, espero que não tenhamos que passar por mais choques para dialogar e fazer um pacto social para solucionar esses problemas. A dúvida angustiante: quem será pior, o crime "organizado" ou o estado criminoso?
É uma tristeza ainda haver um pensamento equivocado que se apresenta a favor da carnificina e do genocídio de pretos e pobres, em meio à barbárie, a mensagem que grita novamente, que salta ao olhos da sociedade é: ou dividimos as riquezas ou compartilhamos os pesadelos. Às vezes, diante de tanta injustiça, me espanto de como é pacífico nosso povo, mas acreditem: Um dia tudo explode!
Preto Zezé é coordenador-geral da Central Única das Favelas (Cufa) do Ceará, articulador nacional da Cufa e membro do Conselho de Leitores do O Povo.

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