Pode acontecer novamente?

A Grande Depressão dos anos trinta suscitou enorme comoção na vida social, econômica e política no mundo europeu e norte-americano. Na Europa, o único país que não se ressentiu da enorme queda foi a URSS, pois estava fora do espaço capitalista europeu, or

Nos Estados Unidos e na Europa, vigorava a convicção de que as leis imutáveis da economia política, formuladas pelos clássicos, asseguravam a harmonia do modo de produção capitalista. Esta certeza norteava o comportamento dos governos, dispostos a manter a ortodoxia dos grandes ensinamentos de Ricardo e do expoente máximo dos primeiros decênios do século passado, Alfred Marshall (1842-1924), autor de várias obras, destacando-se, dentre elas, os ''Princípios de Economia'', texto que não
perdeu o seu interesse. No excelente ''Dicionário de Economia do Século XXl,'' Paulo Sandroni expõe: ”Marshall procurou dar um tratamento mais científico à economia, buscando um denominador comum para medir a atividade humana. Assim, em ''Princípios'', analisa as relações entre a oferta, a procura e o valor, caracterizando o comportamento econômico humano de uma perspectiva hedonista, como um delicado equilíbrio entre a busca da satisfação e a negação do sacrifício.”


 


 


Na ausência de um pensamento crítico da velha ortodoxia, uma resignação e recôndita esperança de um final feliz, impedia os governos de adotar conduta apta a alterar a segurança dos conceitos e a confiança no orçamento equilibrado. Nos Estados Unidos, a administração do Presidente Hoover, Herbert Clark (1874-1964) não ousou intervir, e pouco fez para combater a depressão. Nem Hoover, nem outros políticos e economistas ,conseguiram imaginar que a depressão violasse todas as certezas adquiridas e redundasse na maior tragédia social após a Primeira Guerra,
Desta feita, com maior abrangência social e política, nos estertores de uma chaga inominável, o desemprego, a fome, a destruição da dignidade do trabalhador, a humilhação das famílias ,e mendicância aberta.


 


 


Para a ortodoxia, vigente na época, a depressão era inevitável resultado dos esajustes ocorridos durante a época de prosperidade, e a retomada somente poderia ocorrer após a liquidação natural dos acervos e o desemprego. Desnorteante fatalismo doutrinário. As medidas “artificiais” para incrementar a demanda, adotadas pelos governos, somente poderiam piorar e prolongar a depressão. O mero alvitre de que o papel do estado pudesse reverter o processo cíclico, não seria acolhida por dirigentes
dos partidos Democrata e Republicano. Os eleitores não seguiriam uma guinada desse naipe. A adoção de novos parâmetros foi realmente imensa, na medida em que o drama foi mais forte do que os conceitos.


 


 


Lester V. Chandler, autor de um dos mais acolhidos textos sobre a Grande Depressão ( America’s Greatest Depression ''1929-1941'') no último capítulo desse livro, formula a pergunta que perdurou por um futuro que durou muito tempo ''Could it Happen Again? '' Somente, observa Chandler, se os governos dessas nações estiverem paralisados, impedindo-os de adotar as medidas que já conhecemos a depressão ocorrerá. Para Chandler, a experiência adquirida com os eventos de 29 foi acertadamente aproveitada, adotando-se políticas repudiadas pelos neoclássicos, mas
que demonstraram eficácia para amenizar a crise e oferecer um conjunto de atividades estatais aptas e restaurar a demanda por bens de investimento e consumo. Os conceitos ultrapassados foram banidos pelo pensamento Keynesiano e post-Keynesiano, em suma, pela revolução macroeconômica. Agora, escreve Chandler em 1970, não somente economistas profissionais, mas integrantes dos governos e pessoas comuns acreditam firmemente que medidas eficientes para remediar o desemprego devem favorecer as demandas agregadas de moeda para aumentar o produto
(''output), ''ajustar'''' impostos e incrementar despesas em investimentos públicos. A mudança revolucionária (''revolutionary change)'' em nossa concepção econômica, e o consenso popular de que o governo pode e deve (canand must) promover a estabilidade econômica, são instrumentos essenciais para impedir a recorrência e as prolongadas depressões de caráter semelhante à dos anos trinta.


 


 


Chandler demonstra, no texto citado, que as receitas do governo federal norte-americano ,em 1929 , representavam apenas 3,6 % e as despesas orçavam 2,5 % do produto nacional bruto (GNP). Eram taxas baixas e não correspondiam ao potencial efetivo de política fiscal como instrumento de combate à depressão. Por sua vez, nos últimos anos da década de 1960, a situação havia mudado acentuadamente, de maneira que o total das despesas federais do governo norte-americano alcançara, aproximadamente, 25% do GNP. O poder da política fiscal para estabilizar a economia foi extraordinariamente acrescido. Na década de 30, não havia seguro
desemprego e pouquíssimos planos privados, insuficientes para mínimo amparo ao trabalhador nessa situação.O Federal Reserve, na ocasião, formulou política restritiva,impondo taxas de redesconto de 6 a 7%, quando o recomendável seria dimensioná-las para aliviar a queda na produção (output).


 


 


Em 1946, foi promulgado, nos Estados Unidos, o ''Employment Act'' com o
propósito de evitar sucumbisse o trabalho assalariado- cerca de 25% de desemprego – nos terríveis anos da Depressão Buscava-se aumentar a demanda de mão-de-obra e assegurar postos de trabalho. Todos meios, dispõe a lei, devem ser empregados pelo governo federal para ''…promover o emprego, a produção e o poder de compra…'' ''…to promote maximum employment, production, and purchasing power.''


 


 


Chandler é enfático ao afirmar que este acervo de experiências e de políticas monetárias, tributárias e fiscais ,afastou a ameaça de novas crises. A tal ponto, que é quase inconcebível retornem as depressões de maneira tão profunda e prolongada (…almost inconceivable that depressions will again be allowed to became so deep and so prolonged) .


 


 


Muitas décadas decorreram, algumas crises lançaram temor e desencanto, de 1950 a 1970 um longo período foi denominado de Compromisso Keynesiano. Nada, porém, resistiu ao avassalador neoliberalismo, com novas ortodoxias e governantes a elas submissos. A aposta de Chandler e não somente dele parece não ter ocorrido. Serão meras lições de teoria e políticas econômicas o que restou da amarga era da indecisão?


 


 


O capitalismo finalmente desentranhou a crise, bem sua, enfaticamente própria, imergindo o mundo em nova e estonteante depressão.

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