Piracanjuba reverencia as orquídeas

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 Pouso Alto demora em minhas memórias. Retirante do Riachão das Neves, sempre invejei os colegas que, nos períodos de férias, procuravam aconchego em suas fazendas ou cidades do interior. Tinham um lugar para retornar sempre. Ali guardavam suas infâncias de aventuras e descobertas, todas aquelas coisas inocentes que o mundo urbano viria ofuscar. Comecei a ir a Piracanjuba num tempo em que imaginava mortos suaves soprando aos ouvidos sensíveis bonança de outra vida. Depois ia a convite de amigos que se foram tornando parte de minhas querenças e afetos. Nei Teles, Herondes César, Maria Divina, José Quinta, Jorge Daher Filho, poeta que cortou, de repente, a fila do encantamento. Seu João Costa e Silva, cronista, cheio de idéias e de lembranças de sua juventude sonhadora e dos filhos Athos Magno, levado na nau dos exílios, e Fausto, também ferido de ausência. José Carlos Daher, depois Goiana Vieira de lírica doçura. Muitos mais, que não vou conseguir extrair de meu surrado HD. Ir a Piracanjuba ou por lá passar, ainda que por momentos, é um ritual. Mais que tudo, ali mora a lembrança de Leo Lynce, avatar da poesia moderna em Goiás. Além de suas histórias, há nos ares de Pouso Alto um perfume sutil de orquídea. Há vários anos alguns aficionados percorrem as matas e cerrados do município em busca dessas delicadas plantas. Não são parasitas – advertem – apenas se sustentam nos galhos de outras árvores para recolher a unção generosa do puro orvalho, do etéreo ar, das invisíveis energias que o cosmo derrama abundante nesses rincões. Retribuem a hospedagem com suas flores inusitadas, surpresas de cor e perfume. No correr dos anos Piracanjuba foi se tornando a Capital das orquídeas. No último sábado, ali estive para apreciar mais uma exposição delas. Uma festa para o olhar, uma invasão dos sentidos, uma sinestesia única que a natureza ainda propicia generosa, não obstante as agressões e violências que sofre. Adquiri alguns exemplares entre orquidófilos de várias partes do país. Naquela convergência me comovi. Havia um deslumbramento, um sorriso diante de cada planta exibindo seu momento de inexcedível glória. As pessoas não resistiam e iam carregando as mãos e braços cheios, como se quisessem guardar a estuância daquele evento tão distante das guerras, do enxundio político, da sangrenta messe de violência de todos os dias. Retornei enriquecido de Pouso Alto. De poesia, música, flores e perfumes. Recordei minhas antigas estimas com prazer de estar vivo. As orquídeas que trouxe para meu incipiente e tosco orquidário esplenderam. Além das preciosidades do ar e dos ventos, das noites e dos sóis, revelam o humano carinho com que foram cultivadas. Tânia, minha mulher, que ainda crê em paraísos, reuniu as amigas para uma reza, como se diz, e, mesmo sem ter uma fé definida, notei que as orquídeas espalhadas pela sala ensinavam na cor e no perfume algum tipo de permanência que buscamos nas revelações dos deuses e das almas.

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