Pela vida das mulheres

Dos 27 países da União Européia, o aborto só não é legalizado na Polônia, na Irlanda, em Malta e em Portugal – que só o permite em casos de má formação do feto, gravidez resultante de estupro e risco de vida da gestante.

Estima-se em 20 mil os abortos clandestinos em Portugal (que custam 1.000 euros); cerca de 4.000 portuguesas atravessam a fronteira para a Espanha, onde abortam pagando entre 300 a 625 euros. Vão para Merida, na região da Extremadura, ou para a Clínica Los Arcos, em Badajoz, sudoeste da Espanha, onde 60% da clientela é portuguesa.


 



No “Referendo do Aborto” (11.2.2007), foi perguntado aos 8,4 milhões de eleitores portugueses: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”


 



Quase 5 milhões de eleitores não comparecerem às urnas (56,39%), que teve como resultados: 59,25% dos votos válidos pelo “sim” e 40,75%, pelo “não”.


 



Ana Matos Pires, médica, disse: “Vou votar “sim” porque o aborto clandestino, feito em precárias condições de saúde, mata! As mulheres que abortam têm direito a condições de saúde! Como médica, tenho responsabilidades éticas para com essas mulheres!”


 



É necessário que metade do eleitorado vote num referendo para que o parlamento obrigatoriamente adote a mudança. O primeiro- ministro de Portugal, José Sócrates, do Partido Socialista, que fez campanha pelo “sim” e tem apoio da maioria dos parlamentares, declarou que o parlamento acatará o resultado do referendo.


 



Quando da aprovação do referendo, os principais partidos políticos liberaram o voto de seus parlamentares. As direções partidárias se posicionaram explicitamente: “o Partido Socialista, o Partido Social Democrata (centro-direita) e o Bloco de Esquerda votaram a favor. O Partido Comunista votou contra – alegando que a decisão não deve ser tomada por referendo.


 


 
O Centro Democrático Social (de direita) se absteve. O presidente do Partido Social Democrata, Luís Marques Mendes, não honrou a palavra de respeitar a liberdade de voto de seus filiados. Numa entrevista, comparou o aborto ao terrorismo e na reta final se mostrou favorável à proposta dos contra, de, caso o “não” vencesse, apresentar projeto de lei que garantisse que as mulheres que recorrem ao aborto não sejam presas.


 



A lei do referendo, considerando a laicidade do Estado, proibiu a participação de autoridades eclesiásticas na campanha. O Vaticano desrespeitou a lei, pois se considera acima das leis nacionais, realizou até uma manifestação em Paris a favor do “não”.


 


 
Diferentemente de 1998, quando a Igreja não convocou, abertamente, os eleitores e o referendo não obteve a maioria dos eleitores (32% de votantes; o “não”, contrário ao aborto, ganhou com menos de 1%), em 2007 agiu à solta: enviando mensagens pelo celular (era proibido); manobrando para influenciar o voto em escolas católicas; e realizando vigílias em paróquias na véspera da votação.


 



Numa estratégia desesperada de legislar sobre os corpos das mulheres, ameaçou de excomunhão os católicos que votassem “sim”; e veiculou desde apelos emocionais à comparação do direito ao aborto com o terrorismo, causando repúdio até de integrantes do oficialato católico.


 



Frei Bento Domingues declarou: “Parece-me exorbitante ameaçar os católicos que votam “sim” com a excomunhão. E comparar o aborto ao terrorismo é fazer as mulheres aliadas da Al Qaeda. A retórica deve ter limites” (“O Público”). Tá certo o frei! Inclusive deve ter limites a retórica de que os corpos das mulheres devem ser objetos de referendo ou de plebiscito. Na medida em que os direitos reprodutivos são direitos humanos, é um aviltante retrocesso que qualquer dos seus temas seja sugerido para ir a plebiscito.

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