Os “monstros” que criamos

 

Renê Simões, treinador do Atlético-GO, afirmou após a discussão áspera entre Neymar e Dorival Júnior, então treinador do Santos, que o jogador precisar “ser educado” e que estava se criando um “monstro”. Em outra seara, ainda mais preocupante, o então goleiro Bruno, do Flamengo, foi preso por suspeita de ordenar a execução da modelo Eliza Samudio, mãe de um dos seus filhos. Geralmente, as medidas propostas para “educarmos” nossos atletas restringem-se ao próprio mundo do futebol. Mas é necessário avaliarmos no que a própria sociedade está se transformando.

Neymar é um garoto. Tem 18 anos. Mas para os olhos de todos, já é um homem. Tem um dos maiores salários do futebol brasileiro. Tudo que gira em torno de seu nome repercute. Ele é uma promessa que vem vingando, e tende a ser um dos grandes craques da renovada seleção brasileira.

Bruno era um goleiro, se não tão jovem quanto Neymar, igualmente promissor. Um grande goleiro, com um temperamento explosivo. Inúmeros envolvimentos em escândalos de revistas de fofoca e declarações mais que infelizes marcaram a trajetória do capitão do escrete rubronegro. Além disso, discussões com ídolos do clube e outros jogadores do elenco. Nada comparado às acusações feitas pela polícia, mas que já indicavam um comportamento de difícil trato.

As atitudes de ambos devem ser compreendidas em separado, mas possuem pontos de contato.

É a mesma história de sempre. Os jogadores de futebol, em geral, crescem em dificuldades financeiras e enxergam no futebol uma possibilidade de ascensão. De repente, se vêem mergulhados em rios de dinheiro, se tornam celebridades, muitas vezes menos instantâneas que os artistas da TV.

É óbvio que o mundo do futebol possui responsabilidade nestas situações. A partir do momento que um garoto entra nas categorias de base do clube, este deve cuidar de sua formação intelectual, física, técnica mas, principalmente, de caráter. Não pode se eximir deste papel, visto que os garotos passam boa parte do seu dia dentro do clube.

Além de garantir a permanência do jovem na escola, deve assegurar assistência médica, psicológica e, além de tudo isso, dar suporte ao garoto contra empresários picaretas que orientam atletas a buscar o enriquecimento rápido sem prepará-los para esta nova situação.

Ao invés disso, os clubes funcionam como balcão de negócios feitos com a vida desses garotos. Vendem suas vidas para quem não tem nenhum compromisso com elas. Só pensam em lucrar, e muito, com os jogadores.

Os pais também, em várias situações, entregam seus filhos a esta lógica. Pois sabem que disso pode vir sua própria subsistência. Mas até aí devem haver limites. Não dá simplesmente para largar os garotos na mão de empresários, sob pena de perdê-los definitivamente.

Porém, é fundamental pensar no que estamos fazendo com nossos próprios valores. A adoração da nossa sociedade pelo acúmulo de dinheiro tem nos deixado longe de estabelecer relações mais iguais entre as pessoas.

Imaginem a situação destes garotos! Jogam bem, ganham muito dinheiro, são tratados como semideuses pela imprensa, pelo clube, pelos empresários. E introjetam isso em seu conceito de moral. A moral passa a ser o dinheiro, e para isso não existem limites.

Com dinheiro se pode tudo! Pode desrespeitar quem quiser, pode ser arrogante com quem ganha menos dentro e fora de campo, pode falar grosso até com o próprio “chefe”. E pode eliminar qualquer coisa que possa impedir o progresso de sua carreira ou lhe tomar algum dinheiro.

Se o caso de Neymar nada tem a ver com o caso de Bruno, pode-se considerar que a falta de limites que o dinheiro provoca é o elemento básico que impulsiona ambos.

Bruno chegou ao extremo. É acusado de um homicídio que, até onde as investigações denunciavam, é um dos mais bárbaros que se tem notícia. Se ainda não existem evidências que comprovem a autoria, ou o mando, as declarações dadas em entrevistas pelo goleiro depõem contra. Quem legitima, na frente das câmeras, a violência contra a mulher, fica em maus lençóis ao justificar uma acusação como essas. Por mais que ainda não haja corpo, ninguém acredita que não houve crime, tampouco acredita que Bruno não tenha nada a ver com isso.

A pergunta que fica é: diante disso, até onde pode ir Neymar?

A complacência da diretoria do Santos, demonstrada com a demissão de Dorival Júnior, pode fazer o jogador pensar que tais atitudes não são absolutamente condenáveis. Diante disso, pode se repetir ou até forçar a barra um pouquinho mais, pra ver até onde vai a paciência do respeitável público.

Do jeito que nossa sociedade vem cultuando a fama e o dinheiro, pode ser que a tolerância seja ampla. Mas aí pode ser muito tarde.

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