Os assentamentos renovam a vida rural brasileira

A Cidade e a Serras (1901) é o título de um romance no qual Eça de Queirós sobreleva a vida rural, emoldurada por belas paisagens, vegetação abundante,silêncio e tranquilidade permeada pelo convívio social ameno das relações duradouras dos habitantes do campo, livres da poluição.do trânsito desanimador e do humor extravagante de motoristas em desespero.

 Severo é o contraste com o bulício das regiões urbanizadas, onde a paisagem cinzenta e áspera, o verde da rala vegetação, envolvido pelo rigor da atmosfera corrompida, pouco acrescenta ao convívio social e as relações humanas são esporádicas ,acessórias, apressadas.

Estaríamos numa época de urbanização acelerada que parece esvaziar o campo…e as serras, da sua população campesina, O homem do campo não é um emigrante voluntário, mas, se escolhe viver nas cidades o faz pelas adversidades produzidas, não pelas condições de clima , nem sequer pela infertilidade das terras. Geralmente deixa o campo premido pelas condições sociais desenvolvidas pela deterioração humana do espaço rural.

No Brasil vive-se esta situação desde a Colônia, em que exploração humana transformou a vida rural num desalento, verdadeiro horror, que certamente tornava o campo um lugar de amargura, tristeza e enfrentamentos entre os senhores da terra e os escravos ou semi-escravos que nela trabalhavam. A Abolição e a República não alteraram substancialmente a paisagem campesina. O latifúndio prosseguiu, cultivando as monoculturas de exportação. Os escravos, nominalmente homens livres, sumiram da história; pouco se conhece a respeito de sua trajetória, quer no tempo quer no espaço. Nenhuma legislação decorreu da pseuda-liberdade e foram esquecidos, desamparados, sem rumo, ausente qualquer política que lhes reconhecesse a existência e amenizasse a precariedade dessa liberdade. Continuaram dependentes, mas sem visibilidade. Agregaram-se como escravos do salário? Aos historiadores sociais a palavra ausente.

O homem do campo somente começa a se organizar no século passado e neste, com entidades como o MST, ou seja, associações definidas, com objetivos concretas, disciplina, cuidados com a educação, atentas à preservação do meio ambiente e à produtividade responsável do trabalho.

Na linha dessas conquistas sociais, decorrentes de uma disposição constante de prosseguir no rumo da recuperação do campo para a vida social brasileira, devo mencionar a existência dos assentamentos rurais. Numa reportagem recente do Jornal Valeparaibano, de São José dos Campos, SP, do dia 9 de maio do corrente, a repórter Marinella Souza escreve : “Contrariando a regra de que os assentamentos do INCRA são improdutivos, o Nova Esperança, em São Jose(dos Campos) é a prova de que é possível conseguir uma produção expressiva. E com sobra.” Prosseguindo ,acrescenta Marinella:” As 63 famílias assentadas produzem juntas cerca de cinco toneladas ao ano. A produção é organizada através da Copene (Cooperativa Nova Esperança) que cuida para que haja bastante variedade de produtos para facilitar a venda. As reuniões quinzenais definem quais os produtos têm maior demanda e melhor preço”. Prossegue Marinella: ”Assim os agricultores produzem milho, mandioca, feijão, abobora, hortaliças, quiabo, jiló e arroz. O governo federal compra 50% da produção e repassa para as instituições beneficiadas pelo programa Fome Zero. No teor da extensa reportagem ficamos cientes de que o governo dá uma verba anual de 4.500 reais para cada família produzir. A maior dificuldade para a Cooperativa é o escoamento da produção. A propósito, afirma Manoel de Andrade, 54, um dos assentados :”Quando sobra mercadoria fora do padrão e dos dias de feira, perde muita coisa porque não temos como levar na cidade.”

Segundo a reportagem, além da Cooperativa, os assentados ainda contam com a Aruane (Associação Rural Unidos da Nova Esperança), que é responsável pela busca de recursos junto ao poder público para melhorias no assentamento. Devilane Ramos, 38 anos, presidente da Aruane, afirmou à repórter que , “quando chegaram os assentados a terra era ácida e improdutiva . Com muito trabalho, disse ele, fizemos a correção do solo, deixamos tudo bom para plantar”.

Como vimos somente o planejamento cuidadoso e a disposição de permanecer produzindo no campo é capaz de criar novas condições de convívio homem-natureza. A ameaça de reduzir o campo brasileiro a imensa área de produção monocultura, num vazio inaudito de população ativa, é uma questão atual. A pastorização (criação extensiva de gado) e a agroindústria estão a expulsar o camponês para as periferias das cidades, acarretando profunda e inexoráveis consequências, dentre elas miséria desajustadora da personalidade. Nos assentamentos, a produção é mais diversificada, apta ao abastecimento de centros urbanos com produtos de maior confiabilidade. O equilíbrio entre as formas de produção denota a relevância da preservação dos assentamentos e a sua disseminação pelo campo, renovada pela presença de energia, escolas e meios modernos de informação.

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