Obama uma nova mensagem ao mundo

Barack Obama proferiu um discurso histórico no dia 28 de agosto, em Denver, dando encerramento na Convenção do Partido Democrata, momento que oficializou sua candidatura a Presidência da República dos Estados Unidos da América.

Bilhões de pessoas em todo planeta acompanharam atentamente sua mensagem. Considero-a ampla, carregada de simbolismo e com relativa profundidade política – se observarmos o cenário sócio-político conservador americano. O presidenciável democrata, coerente com o trajeto percorrido nos 18 meses de disputa eleitoral, evitou amplificar temas relacionados à questão racial – embora estabeleceu certa relação entre seu discurso e ao que tornou-se um marco na luta pelos Direitos Civis nos EUA, proferido pelo Reverendo Martin Luther King: Eu tenho um sonho. Na fase final Obama disse: “E foi essa promessa que há exatamente 45 anos hoje levou americanos de todos os cantos deste país a se postarem juntos no Mall em Washington, diante do Memorial de Lincoln, e ouvir um jovem pregador da Geórgia falar de seu sonho”. O fato de o candidato ser negro nos Estados Unidos e optar pela desracialização do debate político, torna essa escolha um fato singular e de grande relevância para lógica eleitoral em curso. Considerando a brilhante entrevista concedida por Immanuel Wallerstein a Folha de São Paulo, no dia 09 de junho de 2008, na qual assegura que a candidatura de Barack Obama significa a “entrada da questão social ou de classe na agenda política norte-americana”; e que os EUA vêm discutindo raça e sexo nos últimos cem anos, nunca classe social. Obama abre um novo ciclo, apesar de não superar esse centenário paradigma discursivo, incorre em temas sociais até então inexistente nas agendas eleitorais estadunidenses, em última instância, coloca a luta de classes em pauta.


 


 


Ser o primeiro negro candidato por um grande partido à Presidência da República dos Estados Unidos, com reais possibilidades de vitória, caracteriza um avanço positivo conquistado pela sociedade norte-americana. Para assegurar as condições política da presença de Obama discursando como candidato oficial na convenção democrata, essa sociedade suplantou a hedionda Lei Jim Crow, que vigorava desde o término da escravidão aos finais dos anos 60 do século passado, essa lei institucionalizava práticas racistas no sul do país; venceu a organização racista denominada Ku Klux Klan, que espalhava terror à população negra e judia em todo estado norte americano; e está desafiada a combater sistematicamente a ignomínia das relações raciais assimétricas, que em passado recente impôs ao país uma situação paradoxal: ao mesmo tempo que propagava a democracia, combatia o regime racistas dos fascistas e nazistas durante a segunda guerra mundial, apoiava a Declaração Universal dos Direitos Humanos; espantava o mundo com a insistência da condenável prática de racismo institucionalizado. A luta racial e contra diversas formas de intolerância ainda continuará em curso nos EUA, mesmo sob o governo de um homem negro, de nome islâmico e filho de africano, mas o fato da juventude americana ser um dos segmentos mais entusiasta em apoio a Obama, mostra que esses nefastos fenômenos vêm perdendo legitimidade e espaço entre os jovens, logo, seu futuro se comprometendo. Ainda que o fundamento classista esteja assegurado em benefício da burguesia ianque, a vitória democrata é importante ao planeta, pois dará bom passo para enterrar definitivamente os argumentos que sustentam racismo e as intolerâncias correlatas.


 


 


Obama defende maior presença do Estado nas relações sócio-econômicas, seu discurso deixou transparecer um posicionamento “neo-rooselvetiniano”, defensor de uma política que recupere experiências do New Deal, para fortalecer a classe média, gerar empregos de boa qualidade e estender uma rede social – especialmente na saúde e educação – capaz de assistir a população pobre necessitada, se assim conduzir seu governo recomporá a doutrina do Welfare State (Estado de Bem Estar Social), predominante no pós-guerra até o início do governo Reagan, doutrina diametralmente contrária ao bushiano John McCain, tenaz defensor da lógica laisse-faire (deixe fazer), hegemônica no liberalismo ultraconservador defendido pelo atual governo – ainda que sua aplicação tem levado os Estados Unidos à bancarrota.


 


 


Obama reconhece a crise americana: “Nó nos encontramos num desses momentos de definição – um momento em que nosso país está em guerra, nossa economia em turbulência e a promessa americana foi posta em risco mais uma vez”. Não poupa crítica a “política fracassada de Washington e da presidência fracassada de George W Bush”. Atenta ao empobrecimento da família americana, crise mobiliária, caos da saúde e da educação, sobre fechamento de empresas, privatização da seguridade social, ou seja, denuncia a falta de política social nos oito anos de governo Bush. Externamente há ambigüidade em seu pensamento, pois a despeito de continuar perseguindo a Al Qaeda, apoiando a política genocida de Israel contra o povo palestino e elegendo o Irã como grande vilão, condena a política externa em vigor e defende o multilateralismo quando reconhece que “… não é possível defender a Geórgia verdadeiramente, quando se desrespeitou nossas alianças mais antigas”.


 


 


Obama prometeu um código tributário que beneficie os trabalhadores e as pequenas empresas americanas; acabará com a dependência do petróleo investindo em energia limpa e renovável; assegurou que vai gerar 5 milhões de empregos novos com qualidade; investir em educação, saúde e seguridade, fechará paraísos fiscais, evitará evasões fiscais das grandes empresas, acabará com a guerra do Iraque, privilegiará o multilateralismo. Colocou-se aberto a alguns temas tabu – para uma sociedade de base moral puritana, que vem enfrentando uma dura crise econômica e de empregos: homossexualismo, aborto, porte de armas e imigração ilegal. Mudança tem se tornado um tema simpático aos povos explorados e/ou sob domínio de suas elites burguesas, quase infalível eleitoralmente, Barack Obama e seus colaboradores sabem disso e a propõe através de uma máxima americana: mudar a atual política governamental para que seja possível a realização do sonho americano. Acreditam que um governo com o conteúdo que apresentam terá capacidade de recuperar o “sonho americano”, em xeque pela profunda crise que o país está submerso. 


 


 


Não podemos nutrir muitas esperanças quanto ao destino dos Estados Unidos, seja qual for o resultado do atual pleito, o império e seus agentes econômicos sobreviverão, oprimirão e se colocarão cruelmente diante da humanidade. O acirramento da crise constituirá em terreno fértil para o recrudescimento das intolerâncias racistas, nacionalistas e xenófobas, mas do ponto de vista ideológico, político e econômico a vitória Democrata adiciona maior dificuldade para o próximo governo norte-americano, privilegiar exclusivamente os ricos, impor receitas econômicas aos países pobres e em desenvolvimento e gerar guerra, dado o discurso assumido pelo seu candidato a Presidência da República. Por isso, momentos alvissareiros se avizinham caso concretize a vitória eleitoral de Barack Obama, seu governo significará um rompimento com o fundamentalismo branco, racista e cristão que governou os EUA nos últimos oito anos; não terá compromisso com a doutrina de segurança atual, que defende o ataque preventivo, gerando instabilidade e insegurança a povos livres que não comungam com sua filosofia e não se curvam aos seus interesses; imporá derrota da doutrina econômica liberal e ultraconservadora, embora sabemos que o capital não será ameaçado, os democratas não têm esse objetivo. Há outro elemento importante, pelo forte simbolismo e pela significação libertária: após 400 anos do seqüestro criminoso de gente na África e do terror da travessia do Atlântico em tumbeiros, um negro torna presidente do país que o escravizou, violentou, segregou e negou toda forma de igualdade e oportunidade.


 


 


Desse episódio há lições ao movimento negro brasileiro, visto que tradicionalmente tem acompanhado os processos políticos e as conquistas dos negros americanos, incorporando conceitos e aprendizado para batalha no Brasil. Os ativistas do movimento reconhecem que a trajetória de Barack Obama é resultante das vitórias da geração que protagonizou a luta para conquistar os Direitos Civis. Obama nos ensina que devemos assumir debates que versam sobre o destino da humanidade, ou seja, assumir os grandes temas universais; sair da franja e participar do processo político nacional, se incorporando nos partidos, sindicatos e nos diversos espaços de organização do povo brasileiro; e elaborar um discurso político classista, amplo, que aponte a perversidade do racismo, mas rejeite a lógica da racialização, valorize o solo brasileiro, nossas raízes e nosso futuro.

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