O submundo do segundo turno

A eleição de Alckmin pode representar o ovo da serpente. Cabe aos milhões de lulistas evitar essa tragédia para o Brasil. 


Teria mesmo de acontecer uma hora dessas, mais cedo ou mais tarde, e acabou acontecendo. O vazamento de um CD com fotografias do dinheiro apreendido pela Polícia Federal – R$ 1,7 milhão no total, que deveria servir para pagar um dossiê contra tucanos – acirrou os ânimos da disputa presidencial na antevéspera do primeiro turno. São mais do que óbvios os laços que unem essa tramóia com a tática da direita, uma espécie de último lance da campanha conservadora para levar a disputa ao segundo turno. A candidatura de Geraldo Alckmin, que veio do nada, como um teste de produto eleitoral mal-acabado, e desde então tem vivido com o oxigênio da campanha midiática contra o governo Lula, mais uma vez bateu de frente com a decência.


 


Além de uma proposta de governo que representa um desastre para o país – o neoliberalismo -, ele só conseguiu demonstrar condições de existir como candidato no mundo dos fatos pela desonestidade. Alckmin, enfim, parece mordido pelo vício de pescar em águas turvas – tão comum na velha política da direita brasileira. Se o vazamento vai ou não vai ter alguma relevância para o resultado final das eleições é coisa que o tempo dirá. Mas o tumulto, mais um na longa lista da campanha eleitoral, está aí. Como lidar com isso, neste momento em que a sucessão presidencial começa a entrar na agenda de preocupações institucionais?


 


Inaceitável


 


Da mesma maneira como se lida com uma cobra cascavel: com extremo cuidado. O importante é não permitir que a serpente bote o ovo. Diante da salada de falsas questões, idéias sem nexo e fatos incompreensíveis que é servida diariamente no noticiário político, o que se tem, na maior parte do tempo, é desinformação. Por isso, a massa que apóia Lula precisa se levantar para cobrar, com vigor, ética de verdade na política. Cobra se mata acertando a cabeça. Alckmin, apesar de medíocre, tem todo o direito de tentar convencer o eleitor de que não existe na disputa ninguém melhor do que ele para presidir o país. Só não dá para aceitar que ele convença alguém sobre uma tremenda falsidade.


 


Uma boa maneira de economizar tempo quando se pensa nas eleições para presidente da República é deixar de lado a ficção de que não vai acontecer nada de mais se Alckmin for eleito para governar o Brasil. Vai acontecer, sim, e não vai ser pouco. Poderia haver aqui uma lista de problemas que o Brasil teria de enfrentar com ele no poder. Mas é fácil imaginar o país com alguém como Alckmin no seu comando. Todo mundo, naturalmente, tem o direito de achar que as mudanças trazidas pelo governo Lula não são tão positivas, a começar por seus milhões de eleitores. O inacietável é imaginar que não está tudo bem pelas razões erradas – como a de que Lula não mudou e não vai mudar ''grande coisa'' porque ele não quer. 


 


Nuvem


 


O Brasil sem Lula na Presidência é um país. Com ele é bem outro. A saída? Só dar crédito a alguma coisa depois que ela venha a ser comprovada pela realidade. Caso contrário, corre-se o risco de tomar por essencial o que pode ser apenas transitório e levar a sério fenômenos que, no fim das contas, só acabarão sendo lembrados pelos 15 minutos de fama que tiveram na história da campanha. No caso da desonestidade de Alckmin, a primeira coisa a ser comprovada é a sua capacidade, pessoal e política, de conduzir a campanha no segundo turno – que terá sobre si, o tempo todo, uma nuvem carregada.


 


É possível que neste período o candidato da direita consiga livrar-se dela, ou que seu adversário acabe deixando o episódio no esquecimento. Tudo é possível, no longo prazo. No presente, o que se pode dizer é que Alkcmin não parece ter atraído muita simpatia, ou convencido muita gente, desde que apareceu em público, dias atrás, em estado de severa agitação mental, acusando o governo de querer destruir a sua candidatura. É o tipo da coisa que teria tudo para dar em nada, nessa pescaria em que seus ideólogos – principalmente os conhecidos vigaristas da “grande imprensa” – vêm jogando muito anzol e pegando pouco peixe, em sua busca de provas sobre “corrupção” no governo.


 


O fato central


 


Mas o jogo da direita é sujo por definição. E Alckmin, diante da necessidade real de tomar uma atitude, achou que o melhor a fazer seria apresentar-se ao eleitorado como vítima de um ato vil do presidente Lula. E não faltaram vozes que expressaram esse pensamento do candidato da direita. Pegue o exemplo de um comentário de Arnaldo Jabor. Para ele, Lula deveria ter examinado o motivo da não divulgação das fotografias do dinheiro pela Polícia Federal para ser “ético” com Alckmin. Examinado para quê? Não é da conta de Alckmin concordar, discordar ou achar coisa alguma sobre qualquer atitude da Polícia Federal, e muito menos interferir em sua execução. E Lula faria isso por quê? Só uma mentalidade idiota, como a de Jabor, poderia conceber tal raciocínio.


 


O fato central de toda a questão, e que até agora não apareceu na argumentação da mídia, de Alckmin, do PSDB e do PFL, é que a ação do governo ocorreu estritamente dentro da lei. Muito bem: Alckmin e seus aliados estão ou não estão acusando o presidente Lula de ter agido por interesses de campanha? Se estão, é preciso que apresentem fatos capazes de comprovar a grave acusação que fazem. Se não estão, a história toda fica em ponto morto. E quem ganha ou perde com isso?


 


Democratas


 


E quanto às futuras decisões que serão tomadas pela Justiça no caso? Será que a cada uma delas vai se discutir se o governo interferiu ou não? O que interessa, agora, é a questão do vazamento das fotografias de uma operação que deveria estar protegida pelo sigilo. Trata-se, com certeza, de uma das piores pragas que envenenam os atuais usos e costumes do ambiente político brasileiro. Acusações, suspeitas e indícios são divulgados como se fossem provas de culpabilidade – e a pessoa envolvida se vê condenada diante da opinião pública antes que consiga abrir a boca para dizer uma única palavra em sua defesa.


 


O recurso do vazamento, como todos sabem, tem sido utilizado de maneira quase sistemática – e seus autores normalmente são vistos como heróis pelos líderes políticos da oposição. Mas a pergunta que precisa ser feita diturnamente é: isso tudo é ético? O país, a Justiça, os brasileiros, a democracia ganham com algo desse tipo? Tudo isso já é bastante complicado para o candidato da direita, mas ainda não é o pior. O pior é que, depois da “operação vazamento”, o que se oferece ao público é uma história de que há um candidato capaz de restaurar os bons costumes. Vamos nos calar diante disso? Com a palavra, os democratas espalhados pelo Brasil. 


 



 

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