O solteiro Ratzinger quer o casamento indissolúvel

No dia 13, o chefe da Igreja Católica, Bento XVI, divulgou um documento de grande repercus

As palavras de Joseph Ratzinger, o nome batismal do atual papa – recebido no mesmo dia 16 de abril de 1927 em que nasceu (um Sábado Santo, como gosta de lembrar sua biografia oficial) –, são lei para seus fiéis, pois ele é o representante de Deus na Terra. Eterno solteiro, esposa as posições mais conservadoras – reacionárias é o termo mais apropriado – do alto clero.


A sua “Exortação apostólica pós-sinodal sacramentum caritatis” destinada “ao episcopado, ao clero às pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre a eucaristia fonte e ápice da vida e da missão da Igreja” contém muita elocubração e doutrinação para seus seguidores, e sobre isso cabe às suas ovelhas o balido (de preferência, em latim, como ele agora quer a missa). Mas muitos dos seus ditames interferem na vida de nós outros, que vivemos neste vale de lágrimas que cerca o Vaticano por todos os lados, com sua realidade nada celestial. Essas ordens devem, portanto, ser debatidas também pelos não cristãos.


O direito ao divórcio é especialmente negado pelo atual ocupante do trono de Pedro, que diz existir “dado antropológico primordial segundo o qual o homem deve unir-se de modo definitivo com uma só mulher, e vice-versa (Gn 2, 24; Mt 19, 5)”.


Mas Gênesis 2 corrobora isso? Nesse trecho, a Bíblia conta que Deus descansou no sétimo dia; depois narra que “Javé Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente” e o colocou no Éden, “para que o cultivasse e guardasse”, proibindo-o de “comer da árvore do conhecimento do bem e do mal”. Depois o Todo Poderoso criou feras e aves, mas “o homem não encontrou uma auxiliar que lhe fosse semelhante”. Vai daí que Deus tomou “uma costela do homem e no lugar fez crescer carne” – essa carne é a mulher. A continuidade do relato, fantástico, foge a qualquer relação de causa e efeito: “Por isso, um homem deixa seu pai e sua mãe, e se une à sua mulher, e eles dois se tornam uma só carne”. Ora, se apenas existiam um homem e uma mulher, não havia pai e mãe  para serem deixados… Hoje, um ficcionista que apresentasse um enredo desses seria enxovalhado pela crítica – ou elogiado pelo nonsense…


Vamos a Mateus, 19,5. Textualmente, diz “E que ele disse: ‘Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne’?” Quem está citando justamente Gn 2,24 é Jesus, numa conversa com fariseus, que o questionaram se o divórcio pode ser feito “por qualquer motivo”. Na opinião do Filho do Homem (que, segundo Bento XVI, viveu “a sua missão até ao sacrifício da cruz no estado de virgindade”), “o que Deus uniu, o homem não deve separar”. Os fariseus lembram ao nazareno que, noutra passagem bíblica, “Moisés mandou dar certidão de divórcio ao despedir a mulher”. A o que Jesus retorquiu: “Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de coração. Mas não foi assim desde o início. Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de fornicação, e casar-se com outra, comete adultério”. Para se levar esta passagem ao pé da letra, como gostam os que fundamentam suas opiniões no Livro Sagrado, há que se considerar que, para Jesus, só homens podem se divorciar da mulher,e “em caso de fornicação”. Ele nada diz sobre a possibilidade ou não de um segundo (ou terceiro, ou sejam quantos forem) casamento. Infere-se igualmente que a mulher, mesmo espancada, não pode pedir divórcio (na verdade, nem “em caso de fornicação”…).


Tudo bem que Jesus (que não casou) e seus discípulos, Bento XVI (que não casou) e seus seguidores sejam contra o divórcio, assim vivam e sejam felizes – ou infelizes. O problema é que o papa determina que “os políticos e os legisladores católicos devem sentir-se particularmente interpelados pela sua consciência retamente formada a apresentar e apoiar leis inspiradas nos valores impressos na natureza humana” – e ele entende por “natureza humana” o mito bíblico. Com isso, políticos e legisladores católicos devem impor a nós outros, que católicos não somos, suas normas de conduta como lei! Devem impedir o divórcio legal e outros temas, como a eutanásia, o aborto… Baseia esse diatribe, o pontífice, num trecho da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, onde este soldado de Cristo (que também não casou) considera que quem comunga “indignamenete” (na mensagem papal, são indignos de comungar os divorciados que se casam novamente) estão realizando “a própria condenação”. E condenados ficamos nós todos, que nada temos a ver com a missa…


 

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