O que diz a pesquisa sobre igualdade racial

“A existência da discriminação contra o negro no Brasil é hoje reconhecida como fato. Após extensa produção tanto qualitativa como quantitativa, é difícil negar os grandes diferenciais raciais observados em quase todos os campos da vida cotidiana. Negros

Jovem negro morre de forma violenta em maior número que jovens brancos e tem probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontram um emprego, recebem menos da metade do salário recebidos pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem. Ao longo de toda a vida, sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e com maior pobreza que os brancos. E isso não decorre apenas da situação de pobreza em que a população negra está majoritariamente inserida. As desigualdades raciais no Brasil são influenciadas de maneira determinante pela prática passada e presente da discriminação racial.” (grifos meus).


 


  



As linhas acima são parte inicial de um capítulo do documento do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cujo texto é facilmente confundível com muitos elaborados pelo movimento negro dado a forma direta de como apresentaram o problema racial no Brasil. Foi com essa contundência que o IPEA (fundação pública federal vinculada a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, cuja finalidade é realizar pesquisas e estudos sociais e econômicos, dar apoio técnico e institucional ao Governo na avaliação, formulação e acompanhamento de políticas públicas, planos e programas de desenvolvimento. Logo trata-se de um órgão fundamental para o estabelecimento de prioridades governamentais) iniciou o capítulo Igualdade Racial, no Boletim de Políticas Sociais – Acompanhamento e Análise nº 13, Edição Especial de 2007. O Estado Brasileiro, através do IPEA, assume frontalmente a existência de um grave problema social, diz que esse problema estabelece desvantagens material e social às suas vítimas; que ele tem raízes no passado e incide, também, no presente: a discriminação contra o negro. Devemos compreender que se trata de uma afirmação com base no resultado de pesquisas empreendidas por uma estratégica e conceituada fundação pública federal que goza de plena credibilidade, além de um passo fundamental para busca de caminhos que contribuam com a resolução, pois o primeiro antídoto contra um mal é a convicção de sua existência e a compreenção de sua incidência.


  



Para além do bombástico enunciado, nesse boletim o IPEA apresenta dados preocupantes em dois quesitos determinantes das desigualdades, relacionados a educação e ao mercado de trabalho. Resumidamente diz que o índice de desistência dos jovens negros no ensino médio é maior que a do jovem branco, de cada três jovens negro dois desistiram antes de entrar ou durante o curso do ensino médio, entre os brancos de cada três dois estão concluindo, nesse quesito a desigualdade  permanece em 20%; probabilidade de um branco chegar ao ensino superior é três vezes maior que a do negro e que nos últimos quinze anos a taxa de crescimento no acesso é maior para o branco. O trabalhador negro recebeu 53% do que recebeu o branco, detecta duas razões básicas para essa gritante desigualdade: menor escolaridade do negro e a discriminação racial no mercado de trabalho, pois mesmo com o mesmo nível educacional detectou-se que o negro recebe menos. Prenunciadamente esses fenômenos educação e trabalho apontam para a ação do racismo como elemento estruturante de desigualdade no Brasil.


  



Felizmente não é só de notícia ruim que vivemos, o movimento negro no Brasil vem sistematicamente oferecendo resistência às injustiças produzidas pelo racismo, há forças populares e progressistas que nunca abandonou a luta contra as desigualdades, não somos um povo resignado, enfrentamos com bravura a elite dominante racista, egoísta e anti-patriota. O povo brasileiro, tem coisas positivas para dizer, o IPEA nesse boletim disse. Primeiro dado que nos enche de esperança é que os números levantados afirmam peremptoriamente que as diferenças econômicas, sociais, educacionais entre negros e brancos não são imutáveis, ao contrário, é totalmente possível combater essas desigualdades. Percebeu-se que a universalização da educação contribuíu para o quase equilíbrio de oportunidade no ensino infantil e fundamental; que o nível de analfabetismo entre os negros vem diminuindo promissoriamente; que a diferença na taxa de escolaridade diminui de 2,1 anos para 1,8 anos; que a denúncia e pressão do movimento negro têm contribuído para gradativamente diminuir nesses últimos quinze anos a desigualdade salarial entre trabalhadores negros e brancos com o mesmo nível de escolaridade.


  



Vimos que a universalização da educação e pressão política organizada surtiu resultados positivos, no entanto, limitados, pois a desigualdade permanece. Segundo o IPEA, com a universalização atigiremos equilíbrio entre negros e brancos somente daqui 67 anos. Por isso cabe a pergunta: queremos justiça social e democracia para o povo brasileiro quando? Por essa razão devemos manter o caminho da universalização, não podemos prescindir desse princípio, mas entendê-lo. Universalizar não significa dar tudo a todos, pois não existe universalidade sem equidade, em outras palavras a célebre frase “de cada um a sua capacidade a cada um sua necessidade”, sintetiza o sentido do princípio da universalização com equidade. Em consonância com o princípio da universalização equitativa devemos defender, tal qual indicou o IPEA, a implantação de ações afirmativas voltada a população negra, sob pena de perpetuarmos a desigualdade entre negros e brancos e continuar comprometendo o desenvolvimento do Brasil e dos brasileiros.  


  



Outro dado positivo é a constatação de que de 1995 a 2005 o percentual de pretos e pardos vem aumentando no Brasil de 45% para 49,6% dos brasileiros  e, consequantemente, reduzindo o número de brancos de 54% para 49,8%. Para o IPEA hipótese mais consistente para explicar esse fenômeno é o crescimento da consciência racial das pessoas, ou seja, mais pessoas estão se identificando como negra. Atribuo a esse fenômeno como uma revolução silenciosa, o melhor resultado da intervenção do movimento negro brasileiro no debate político e a certeza de parte importante da sociedade assimilou que há problema racial no Brasil e que não pode ser colocado embaixo do tapete como fez a elite brasileira quando fortaleceu o mito da democracia racial. Ao contrário de Ali Kamel, não compreender a necessidade do Estado intervir contra a desigualdade entre negros e brancos pode romper o silêncio dessa revolução transformar o Brasil num palco de conflitos intermináveis. A população negra está no desemprego, pobreza, cárcere, alcoolismo, doente, fora da escola, ou seja, na margem da sociedade brasileira e ainda assim cresce o número de brasileiros que se identificam como negro. Ser negro nesse contexto é adquirir convicção da injustiça e se somar aqueles que a repudia, daí o perigo do silêncio dos justos e da manutenção do quadro atual.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor