O preço do ódio

Suzano nos incomoda. A morte do outro deve sempre nos incomodar, especialmente quando se trata de jovens, de crianças, cujo ciclo ainda estava longe de se completar. Quando a morte é bárbara como agora, nosso incômodo é maior. Ficamos tentando entender aquilo que parece inexplicável.

Sou educador, trabalho há três décadas com escolas. Perdi muitos alunos ao longo desse período, muitos mais do que eu gostaria. Tive alunos ainda jovens vítimas de câncer, de acidente automobilístico, mortos pela polícia, pelo tráfico.

E tenho, em muito maior quantidade, os que sobreviveram, com os quais encontro todos os dias, ainda hoje, nos mais variados lugares. Talvez por isso Suzano dói mais ainda, por saber que aqueles que se foram tão cedo não voltarão mais.

Mas o que houve mesmo naquela escola? O que aconteceu ali?

Acho que pagamos o preço do ódio. Um ódio que se espalha e que se enraíza cada vez mais fortemente na nossa sociedade, que atinge mais e mais camadas da população, que se propaga como uma erva daninha, difícil de se extirpar.

É um ódio difuso, impessoal, contra o diferente, contra o que pensa de outra forma, contra o que age diferente de nós. As vítimas deste ódio, via de regra, são mulheres, jovens, negros, homossexuais, lésbicas, pobres, nordestinos, favelados, crianças. São os que mais precisam da proteção do Estado, e que por vezes são mortos pelo próprio Estado ou enquanto estavam sob a sua responsabilidade, como no caso de Suzano.

Mas o ódio não nasce do nada, não se gera sozinho. Ele precisa ser cultivado, plantado, adubado, regado, levado ao sol, exposto à luz. E é exatamente quando sai das sombras e vai à luz do dia que o ódio se torna mais perigoso.

As pessoas aprendem a odiar porque são ensinadas, porque há estímulo, porque há outras pessoas que pregam diuturnamente o ódio, a intolerância, o preconceito.

Não é verdade que em Suzano se deu o inexplicável, o inesperado. Num país onde o ódio é explicitado diuturnamente, onde personalidades pregam o ódio abertamente, onde líderes religiosos vomitam o ódio, onde o mais alto mandatário do país não desceu ainda do seu palanque de campanha e continua sua verborragia carregada de ódio, num país assim não faz sentido dizer que em Suzano se deu o inesperado. O que houve ali era sim, esperado, mais dia, menos dia. E, infelizmente, aquela tragédia tende a se repetir, pois o ódio agora ganhou o reforço do espetáculo, da espetacularização midiática.

O ódio ocupou o lugar da política, o lugar do diálogo. A palavra de ordem do momento, anunciada pelos propagadores deste ódio, é a intolerância, é o “fim do politicamente correto”.

Vivemos sentados em um paiol de pólvora com um cigarro aceso pendendo dos lábios. Vivemos um tempo doentio em que a ignorância e a burrice são festejadas como virtude, em que cuspir intolerância rende votos, em que pregar a barbárie lhe transforma em mito.

Ou recuperamos o diálogo ou seremos vítimas do ódio. Ou recuperamos a política como espaço onde as divergências possam conviver, ou o ódio substituirá o diálogo e terminará por substituir a própria política.

O que estamos vivendo hoje é um aprendizado do ódio. Em Suzano, pessoas aprenderam a odiar e aprenderam a matar. Ali, naquela escola, deste aprendizado e à luz do dia, brotou a flor suja do ódio.

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