O povo, Roosevelt e Keynes

Numerosas são as informações detalhadas sobre o que está ocorrendo na
depressão econômica (descartemos o conceito de recessão) que solapa os
fundamentos mais aguerridos da economia capitalista internacional. Subsídios abundantes, mas análises pouc

Vimos, num primeiro momento, que os articulistas
dos jornais da grande imprensa e da televisão buscavam situar os
acontecimentos mediante explicação moralista. Os títulos podres, agora
suavizados com a denominação corrente de tóxicos, urdidos por
irresponsáveis e desonestos corretores de papéis, denominados
derivativos, estariam na origem dos acontecimentos, afirmam esses
estranhos e inesperados autores da eticidade do sistema.


 


 


O desenrolar dos meses, as malogradas tentativas de amenizar a crise,
demonstraram que o objetivo desta orientação escapista era evitar
transparecesse o caráter profundo da queda abismal do sistema
capitalista. O capital permaneceu íntegro, mas atacado por forças
insidiosas, cedia, enquanto bravamente enfrentava o inimigo oculto. O
invasor era externo, como ocorre com as crises provocadas por fatores
climáticos, até mesmo pelas fases da Lua. A teoria dos ciclos econômicos
do capitalismo é abundante nesses exemplos.


 


 


O caráter global da depressão revelou que não ocorria um ataque
especulativo, movido pela ganância, imensas remunerações de executivos,
e margens sofisticadas do mar de papel naufragado nos bancos e nas
corretoras. Por toda a parte, na Europa, na Ásia e na América Latina, o
capitalismo desfalece a cada dia de forma impiedosa para os
assalariados, as primeiras e últimas vítimas de um modo de produção que
se arrasta entre desfalecimentos, ciclos (grandes ou pequenos),
subsistindo num oceano de enorme sofrimento, de guerras e fomes, a
envergonhar os que se reportam ao gênero humano.


 


 


Aos poucos, lentamente, a realidade do drama provocou alguma forma de
conhecimento, menos afastado dos campos de batalha, onde os trilhões são
desbaratados nas bolsas e bancos, vitimados pelos males que atormentam o
impecável /homo economicus/.


 


 


Buscar a natureza da enfermidade econômica portanto social e política,
desta crise capitalista, desconcertou os observadores, apegados ao
tradicional liberalismo ou neoliberalismo vigente. A economia clássica
não admite as crises, pois tudo que é produzido encontra sempre seu
consumidor. Não há crise, portanto, somente ligeiros resfriados que a
política monetária pode ajustar. Afastada esta corrente, pois ninguém
hoje a menciona, o terreno no campo capitalista está sendo ocupado pelo
economista de maior prestígio no século passado e no começo deste, John
Maynard Keynes (1883-1843). O pensador sempre presente no campo marxista
é Marx, (1818-1883) com a teoria das crises, exposta no livro lll,secção
lll de O Capital.


 


 


Keynes adotou posições críticas em relação á economia clássica, a
despeito de iniciar a sua atividade como economista e professor sob a
orientação de um nome consagrado dessa corrente, Alfred Marshall
(1842-1924), respeitado como fundador da teoria econômica neoclássica e
autor de um texto de enorme repercussão Princípios de Economia (1890).
Keynes sobressaiu-se na economia durante e após o New Deal, a política
econômica adotada por Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) para
combater a crise dos anos 30 nos Estados Unidos. Nem todos os
observadores acolhem uma participação maior do keynesianismo nessa
atividade que se desdobrou por mais de uma década. Muitos por repudiaram
a teoria keynesiana, exposta em livro que se tornou clássico e núcleo de
debates que ainda revolvem as entranhas do colegiado econômico: A Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936). Nesse texto Keynes combateu
a orientação de Marshall, sustentando, ao revés dos neoclássicos, que o
livre mercado não conduz ao pleno emprego.


 


 


As crises, para Keynes, são inerentes ao capitalismo, portanto devem ser
combatidas mediante medidas que somente o Estado pode concretizar. A
natureza de classe do Estado desponta como uma questão decisiva nesse
contexto. A intervenção é externa ao domínio estritamente econômico, se
é que existe algum espaço dessa natureza. Ressalta a enorme e crítica
interrogação pode o Estado intervir, a não ser que a situação de classe
permita o jogo das estâncias? O empecilho é severo.


 


 


As concepções teóricas de Keynes foram adotadas no período do New Deal,
quer pela visão pragmática de Roosevelt e assessores, quer pela
mobilização da classe operária. Sobre esta época de ricas experiências
sociais, diz um dos melhores estudiosos da obra de Keynes, Dudley
Dillard, no livro,/ A Teoria Econômica de John Maynard Keynes/,
Pioneira, p. 116: “O melhor campo de provas para a tese de Keynes é a
experiência dos Estados Unidos entre 1933 e 1945. Durante a depressão do
decênio de 1930, o governo conservador da Grã-Bretanha de Keynes
rechaçou a filosofia do gasto, ao passo que o New Deal nos Estados
Unidos adotava a filosofia geral de Keynes.”


 


 


A queda na economia norte-americana principiou em 1929 e atingiu um
ponto máximo no final de l932, seguida de breve expansão entre 1933 e
1937, neste último ano, com 8 milhões de desempregados verificou-se,
informa Dillard, forte retrocesso; em 1938, novo período de expansão que
prosseguiu com o início da grande mobilização militar que antecedeu à
guerra. Durante o período do confronto (1939-1945), o nível de emprego
atingiu a plenitude e salários elevados.


 


 


Keynes viajou aos Estados Unidos em junho de1934 e manteve um encontro
reservado com o Presidente Roosevelt. Durante todo o período do New
Deal, Keynes escreveu para jornais, ora aprovando, ora desaconselhando
determinados atos do governo norte-americano, sem falar nas atividades
desenvolvidas na Inglaterra, terra natal dele ( alguns o consideram o
típico economista de origem britânica). Dillard, no texto citado p.119
não discrepa do que escreveram outros economistas e historiadores da
economia, como Charles Kindleberg ( por outro lado severo crítico da
administração Roosevelt que retrata como caótica) que admitem a
recuperação desde 1933, com pequeno repique em 1937.Relata Dillard que a
experiência desse período parece confirmar a tese de que a expansão
econômica pode ser fomentada pelos gastos estatais e de que o aumento
total do rendimento excederá a quantia do gasto originário, ou seja,
agirá o efeito /multiplicador/, outra intuição ou descoberta de Keynes.
Vale a pena ponderar, com Dillard, a propósito das constantes
intervenções de Keynes na esfera do New Deal: “As principais críticas de
Keynes ao programa de gastos financiados por empréstimos do New Deal, é
que fora em escala muito pequena para se obter uma plena recuperação (no
período de 33 a 40) inadequadamente planejado e pobremente executado.” A
têmpera do Lorde Tilton não deixava recados.


 


 


O National Labor Relations Act, sancionado por Roosevelt em 1935, embora
considerado inconstitucional pela Suprema Corte em 1937, organizava e
persistia ampliando o número de seus integrantes, empregando táticas de
reivindicações reputadas agressivas. Esse movimento foi denominado
economia do trabalho /labourist economy /e estimulou o receio de que
poderia incentivar a inflação decorrente dos salários elevados. O ato,
conhecido pelo nome do parlamentar que o apresentou no Congresso, Wagner
Act, encorajava a racionalização do comercio, da indústria, estabelecia
salário mínimos e o máximo de horas de trabalho No período inicial dos
programas do New Deal numerosas greves ocorreram, numa fase de intensas
reivindicações dos operários por direitos trabalhistas, organização dos
trabalhadores em sindicatos e melhores salários. A administração do
Presidente Roosevelt não reprimiu as reivindicações dos operários, pois
em qualquer circunstância melhores condições de salários contribuiriam
para ativar o consumo e amenizar as dolorosas, terríveis, podemos
afirmar, condições dos empregados e, ainda pior, dos desempregados.


 


 


O povo não esteve ausente do New Deal, nem Roosevelt permaneceu
insensível aos movimentos sociais que contribuíram para exigir o caminho
indicado para tentar reverter a depressão, a maior sofrida pelo mundo
até a atual, que ainda não tem data certa para o infalível batismo
histórico.

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