O pomo da concórdia

Qualquer detalhamento agora do que se deva e se deseje fazer tão logo o novo presidente tome posse, poderia colocar à mesa, desnecessariamente, o pomo da discórdia

Foto: Ricardo Atuckert

Em ambiente de acirrada disputa e de boas perspectivas de vitória do ex-presidente Lula, várias são as vozes qualificadas que propõem a antecipação de detalhes essenciais da correção de rumos a ser feita em nossa economia.

A ansiedade é compreensível tamanha a dimensão da crise em que estamos mergulhados.

Não se trata de ocultar nada, até porque fundamentos essenciais do que se pretende fazer estão postos tanto na plataforma apresentada pela federação Brasil da Esperança (PT-PCdoB-PV), como na exposta, um pouco mais ampla, quando do lançamento da chapa Lula-Alckmin.

Porém o modus faciendi implica ter os pés no chão e considerar um conjunto de variáveis internacionais e internas, que estarão postas nos primeiros dias de janeiro.

Por exemplo, elevar a taxa de investimentos públicos e privados, diminuindo o custo do crédito e promover a reindustrialização nacional apoiada numa reforçada ciência e tecnologia parece ser consensual. Mas quanto a detalhes no que diz respeito à política fiscal e monetária, aos rearranjos orçamentários necessários à recuperação imediata da capacidade de pesados investimentos públicos em infraestrutura, nem tanto.

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Lembro-me de quando Lula eleito pela primeira vez presidente da República, dias antes da posse, almoçou com o prefeito João Paulo e membros de nossa equipe de governo e alguns ilustres convidados, na Prefeitura do Recife. Num canto, conversávamos o ex-ministro Armando Monteiro Filho, o então futuro ministro Cristóvão Buarque e eu, a propósito da situação econômica de então.

Lula se aproximou, ouviu parte de nossa conversa e arrematou: “Vocês tem razão. Sei que vou pegar uma economia em frangalhos. E não serei um De La Rua, que tentou dar um passo além do tamanho das próprias pernas na Argentina e se deu mal.”

E a história registra os êxitos obtidos nos dois governos Lula quanto à gestão da economia, ainda que — por carência de convicção ou de força real — não tenha alterado no essencial os fundamentos macroeconômicos.

Qualquer detalhamento agora do que se deva e se deseje fazer tão logo o novo presidente tome posse, poderia colocar à mesa, desnecessariamente, o pomo da discórdia — quando estamos necessitando precisamente do contrário.

Confirmando-se a vitória de Lula, o breve período de transição definirá as iniciativas concretas em seu conteúdo e em sua dimensão, em parte determinadas pelas necessidades objetivas, em parte dimensionadas pela correlação de forças real no interior do próprio governo, no Congresso Nacional e no conjunto da sociedade.

Aí, quem sabe, seja possível inverter o sentido da expressão advinda da mitologia grega e tenhamos, enfim, a necessária concórdia para o êxito.

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