O poço sem fundo – os anos 30

As comparações entre o que está ocorrendo neste momento e a Grande Depressão dos anos 30 nos Estados Unidos, não logram dimensionar o imenso desastre daquela época, e o profundo impacto na maior economia do século 20 que patinou durante 12 anos e somente

Em 1929, os Estados Unidos eram a nação mais rica e poderosa do século, possivelmente de todos os séculos. Cento e vinte dois milhões de pessoas possuíam maior riqueza e renda pessoal do que qualquer outra, em qualquer país. O alto nível da renda era o resultado da extraordinária conjugação de recursos naturais, grande acumulação de capitais, desenvolvimento científico e tecnológico, mão-de-obra especializada e dotada de excelente nível de instrução. O grau de poupança destinado a inversões produtivas propiciava uma elevada formação de capital. As circunstancias favoráveis indicavam ainda maior prosperidade nas décadas subseqüentes.



Após uma curta depressão em 1921 a economia norte-americana prosperou atingindo limites insuperáveis até a época. Os preços permaneceram relativamente estáveis, os lucros cresceram, a mão-de-obra expandiu-se, e novas invenções – automóveis, telefones, rádios, refrigeradores etc – encontraram mercados em contínua expansão



O emprego e a produção começaram a declinar em meados de 1929, no verão do hemisfério norte, antes da derrocada das bolsas em outubro. A recessão acelerou-se após a degringolada do mercado acionário um ano depois. Por volta de julho, agosto, a depressão expandiu-se pelo país. Lester Chandler em livro sobre America’s Great Depression- 1929-1941, Harper & Row, NY, 1970, acentua que a queda atingiu ,em março de 1933, o ponto extremo inferior. Para Chandler, a administração Roosevelt, que assumiu a presidência no mesmo ano, realizou fanáticos (frantiq) esforços para restaurar a prosperidade, mas a recuperação econômica foi tragicamente (tragically) lenta, vacilante, incompleta, e, acrescenta, somente em meados de 1941, favorecida pelo crescente programa de rearmamento, ampliou-se a ocupação, o emprego e a produtividade, até alcançar o pleno emprego. Dessa forma, a Grande Depressão durou cerca de doze anos, de meados de 1929 a meados de 1941. O desastre foi ainda maior, lembra Chandler, se apurarmos o enorme desperdício de oportunidades já existentes na economia norte-americana, ou seja, a diferença entre PNB de 1929  e o potencial PNB de 1941. São cifras enormes. Magnitudes, assinala Chandler, que desafiam a compreensão, ou seja, cerca de três vezes o PNB (GNP), aproximadamente 716 000 escolas deixaram de ser construídas;35000.000 e casas;170 000 000  de automóveis;3.580 000 milhas (miles) de auto-estradas. Anota Chandler que entre 1929 e 1932 houve mais de 85 000 falências de empresas; mais de 5 000 bancos suspenderam suas operações; o desemprego aumentou para  12 milhões; quase um quarto da mão-de-obra sem condições de obter sustento; a renda agrícola caiu menos  da metade  e o produto industrial despencou quase 50%.A crise não é destrutiva no presente imediato, mas leva consigo as expectativas do futuro.



A redução da renda seria menos  dolorosa  se ocorresse de maneira equitativa entre todas as camadas da população, no entanto, o impacto foi muito (highly)  desigual; para a maioria, a redução da renda real foi próxima dos 100 % para uns, 25 %, para outros. O desemprego não poupava área geográfica, indústrias, operários qualificados, no entanto era muito desigual ao discriminar os jovens, os velhos, os empregados em indústrias produtoras de bens de consumo durável, negros e outras raças não brancas. Enquanto alguns permaneciam desempregados por curtos períodos, outros ficavam sem trabalho por anos.



A angústia do sistema financeiro foi dramatizada pelo colapso do sistema dos bancos comerciais, desde março de 1933. Virtualmente cada banco estava fechado quando Roosevelt tornou-se presidente (1933). Numerosas foram as falências entre outras segmentos de empresas financeiras, como companhias de seguros, de hipotecas, poupanças, associações de mutuários etc. A causa dessas bancarrotas foi a deflação de rendas e preços, e a concomitante deterioração dos créditos.



No panorama internacional a depressão foi ampla. O único país de economia importante a escapar do desmoronamento foi a União Soviética.  O país dos sovietes privilegiava a planificação centralizada e, graças aos planos qüinqüenais, apresentava resultados positivos surpreendentes.



As relações comerciais entre países desabaram e a guerra tarifária ampliou o desastre. As balanças de pagamentos e o fluxo de capitais despencaram. Chandler, num capítulo de obra citada sobre o Colapso da Economia Internacional, discorre: ”Como o colapso bancários nos Estados Unidos no início de 1933, a crise (internacional) pareceu ter ocorrido subitamente. Em ambos os casos, porém, o colapso ocorreu somente depois de duradoura deflação que minou o sistema como um todo.” 



Charles P. Kindleberger, em livro com o sugestivo título de Manias, Pânicos, e Crashs observa  que a queda desastrosa das  bolsas de valores em   1939 ocorreu simultaneamente em numerosos países, e, novamente, em outubro de 1987, virtualmente todas as bolsas declinaram ao mesmo tempo (ironicamente a única exceção foi a bolsa de Tókio que, na ocasião, parecia a mais super avaliada). As crises norte-americanas expandiram-se para quase todos os países, enquanto a recíproca nem sempre ocorreu.



A queda nas bolsas foi a causa do decréscimo generalizado na economia capitalista?  Esta á uma questão que nos remete aos fundamentos econômicos prevalecentes quando o fenômeno ocorreu. Se algum fator incidiu para lançar as bolsas ladeira abaixo teria sido a especulação? Não estava a economia oferecendo sinais de esmorecimento? Charles P. Kindleberger ,no livro The Word in Depression, University of California Press,1985,  relata: “Os negócios  estavam em dificuldades há tempos antes do crash. Em março(1939) a Reserva Federal, notou que os contratos de construção esperados decresciam aceleradamente, sinal de cautela, pois  constituíam sempre um precursor do declínio geral. Março, diz Kindleberger, foi o pico da produção de automóveis, decaindo de 622000 unidades naquele mês, para 416 000 em setembro… O índice da produção industrial reduziu-se depois de junho, e o declínio na produção industrial, preços e renda pessoal de agosto a outubro, decresceu a taxas de 20,0, 7,5 e 5 por cento. Estas indicações de mal estar não eram aparentes antes do colapso do mercado. Estes exemplos demonstram que o anterior  crescimento do mercado bursátil pode ter contribuído para  a escassez dos negócios, mas o crash foi menos a causa da depressão do que o sinal da necessidade de uma parada e reacomodação”.



As tentativas de amenizar a conjuntura levaram os bancos centrais  a reduzir as taxas de juros. Segundo Kindleberger, o Banco da Inglaterra reduziu a taxa de desconto três vezes entre 29 de outubro e o fim do ano; a Holanda (Netherlandes) e Noruega duas vezes; Áustria, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Hungria e Suécia  uma vez. Nos Estados Unidos, a taxa de redesconto de Nova Iorque reduzida duas vezes em novembro, foi rebaixada mais quatro vezes, em fatias de 0,5, em fevereiro, março maio e junho, posicionando a taxa  em 20 de junho a 2,5 %. A seguir, caiu em maio de 1931 a 1,5%. Os débitos dos bancos com a Reserva Federal somente não declinaram mais devido ao retorno de capitais asiáticos e latino-americanos, particularmente do Brasil, conclui Kindleberger.



A economia real já apresentava sinais de esmorecimento, inclusive na agricultura norte-americana. Chandler, autor que se esmera em empregar abundantes estatísticas para demonstrar  as pesquisas que oferece, afirma que, antes (even before) da depressão, grande número de fazendeiros queixavam-se, aberta e sonoramente, da difícil situação por eles suportada. Lamentavam que não houvessem partilhado justamente (fairly) da prosperidade geral dos anos 20; que os preços por eles recebidos por seus produtos eram muito baixos em relação aos que pagavam para obter os insumos necessários; que os seus preços flutuavam demasiadamente; que suas  rendas eram inferiores aos do meio urbano …



Nas análises formuladas pelos autores citados depreende-se que a economia norte-americana e a internacional apresentavam sintomas visíveis da iminência da depressão, ou seja, não foi o crash, o fenômeno que a desencadeou, mas algo mais íntimo, no seio da eufemisticamente denominada economia real.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor