O orgulho de ser reacionário

Do alto de seu talento indiscutível, Nelson Rodrigues intitulava-se um reacionário. O rubor lhe subiria às faces se agora, em seu centenário, ele estivesse aqui para conhecer a falta de brilho dos reacionários de atualmente. Estão mais para os idiotas que, tal como vaticinou o cronista, dominam o mundo.

Vejamos o que ocorre em São Paulo. Primeiro foi na USP: a PM entrou, bateu e ocupou a maior universidade do país. Existiu, óbvio, resistência progressista, mas nada que se comparasse à aprovação popular para a "punição aos baderneiros."

Depois veio a ação na Cracolândia. Sem um mínimo de preparo anterior e claramente sem coordenação, dispersou na base na pancada a população de rua da região, não resolveu o problema do tráfico de drogas e nem deu a devida assistência para o problema da saúde pública.

A operação foi tão malfadada que, de início, nenhuma esfera de governo – municipal ou estadual – quis embalar o Mateus parido. Foi só depois que pesquisas de opinião mostraram uma maioria de aprovação popular à brutal ação policial que o governo do estado passou a reivindicar o "sucesso" da empreitada. Pudera: o Datafolha revelou que escandalosos 90% aprovam a barbaridade feita na Cracolândia.

A última foi a inominável ação em Pinheirinho. Muito já se escreveu sobre as razões da desocupação, os métodos da PM, as vinculações políticas do proprietário da área e etc, de maneira que não quero me alongar sobre. Mas é de cair o queixo a informação, divulgada pela Folha de S. Paulo desta terça-feira (31), de que "pesquisas à disposição da prefeitura de (de São José dos Campos) indicam amplo respaldo popular à medida."

Como o jornal não cita a fonte da tal pesquisa, pode-se duvidar ou acreditar. Aliás, abro um parêntese: a moda da estação no jornalismo nacional é dar informações gravíssimas amparadas em muletas como "segundo estudo", "diz uma fonte no Planalto" ou "segundo conhecedor dos bastidores…" Em bom brasileiro, são sinônimos para o que se convencionou chamar de mexerico, boato, fofoca, intriga etc.

Mas voltando ao tema: dá para acreditar que uma ação como a de Pinheirinho tenha "amplo respaldo popular"? O pior é que sim. Em particular em São Paulo, onde a cultura da proibição, o autoritarismo e o cada um por si imperam.

Ocorre que andava meio démodé o reacionarismo escancarado. As pessoas tinham um mínimo de escrúpulo antes de desfraldar ódios e preconceitos a céu aberto.

Agora não mais. Agora os mais fervorosos reacionários, assim como os idiotas que o Nelson Rodrigues falava, ficam em júbilo sempre que podem bradar suas convicções pitorescas. O presidente Lula está com câncer? "Morra!", escrevem nas redes sociais. Famílias não têm um teto para viver embaixo? "Vagabundo é na porrada", apelam. E assim vamos caminhando, num assombroso processo de embrutecimento – e emburrecimento – coletivo.

Cadáver insepulto

Como as pesquisas indicam aprovação popular, o governo estadual redobra a aposta, numa espiral de truculência que ninguém sabe onde vai parar.

Em verdade, o compromisso político do PSDB paulista é este e com esta parcela da população, para quem problemas sociais são mesmo caso de polícia. Não à toa as viúvas do malufismo escolheram, faz tempo, a legenda tucana como herdeira natural dos votos conservadores.

Por fim, acredito que a campanha presidencial de 2010 massageou o ego ferido dos reacionários. José Serra prestou grande desserviço – inclusive à sua própria trajetória política passada – ao trazer temas obscurantistas como aborto, terrorismo e que tais para o debate eleitoral. Felizmente o vale tudo não lhe rendeu a vitória, mas certamente ajudou a ressuscitar cadáveres insepultos.

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